Donald Trump ainda não aceitou a derrota, é possível que a luta nos tribunais se arraste, mas a contagem puramente numérica dos votos aponta vantagem decisiva de Joe Biden, o presidente aritmeticamente eleito dos Estados Unidos. A surpresa foi, e ainda vem sendo, a tensão nas apurações, tensão de origem mais política que aritmética. Causada principalmente pelo ineditismo do número de votos pelo correio. “Culpa” da Covid-19.
A luta pelo poder nos Estados Unidos interessa ao mundo, por
razões óbvias. Para nós aqui, será particularmente útil tentar fazer alguma
análise mais aprofundada, dado o sabido paralelismo entre as duas correntes
atualmente no governo nos dois países. Saber o que aconteceu, ou não, por ali,
pode dar algumas pistas de eventuais desdobramentos no Brasil nas eleições
presidenciais de 2022.
Em primeiro lugar, deve-se notar que Donald Trump não sofreu
erosão na sua base desde que se elegeu. Ao contrário, está recolhendo algo
da ordem de sete milhões de votos a mais do recebido quatro anos atrás. A
maciça campanha democrata pelo voto parece, curiosamente, ter atingido
positivamente também o adversário. O problema de Trump: Biden vem recebendo
cerca de nove milhões de votos a mais que Hillary Clinton em 2016.
Esse é outro sinal de que Donald Trump caminhava para uma
reeleição, se não tranquila, ao menos bastante provável, antes de dois
acontecimentos: a pandemia da Covid-19 e a morte de George Floyd. Ambos
desencadearam dois movimentos no eleitorado: uma imparável onda pelo registro
eleitoral de votantes pretos e um sentimento de urgência que ajudou a
convergência de todos os potenciais adversários do incumbente.
As pesquisas ao longo do ano sempre registraram uma
tendência dominante de desaprovação, da ordem de 50%, mas um contingente sólido
entre 40% e 45% de aprovação para Trump. Bastaria ao presidente, portanto,
manter coesa sua base e impedir que a maioria desaprovadora se agrupasse em
torno do adversário. Era possível, mas a maneira como enfrentou a pandemia e a morte de Floyd
catalisaram com violência a convergência dos opositores.
Poderia ter acontecido sem esses dois fatos? A dúvida
ficará. Há alguns meses, o Partido Democrata vinha dividido, pulverizado numa
disputa interna sem luz no fim do túnel e com suas alas divididas. Ao final,
convergiu para uma solução convencional, contra uma alternativa que se dizia
abertamente de esquerda. Mostrou-se adequado. Teria sido assim não
fossem os acontecimentos extraordinários que se seguiram? De novo, jamais se
saberá.
E no Brasil? Jair Bolsonaro chegará a 2022 com um desafio
parecido ao de Trump em 2020: impedir a convergência dos votos que não são em
princípio bolsonaristas. Ao contrário dos Estados Unidos, a dispersão
partidária por aqui ajuda. E é possível, provável, que até lá a pandemia tenha
sido em grande medida controlada. E os conflitos raciais não parecem ter por
aqui, até agora, o impacto eleitoral dali.
Qual será o fator decisivo daqui a dois anos? Uma candidata
forte vai ser a economia. Mas, como os Estados Unidos acabam de comprovar,
nunca é bom subestimar o imprevisível. Ele é sempre muito difícil de prever.
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