domingo, 28 de junho de 2020

Estados mentais. E um pouco de bom humor

O processo político conduzido e produzido na era da Lava Jato pela ampla aliança que impulsionou a operação apontava para o fortalecimento de uma saída bonapartista. Na narrativa dos novos tempos, negociação política, governo de coalizão, entendimento, interpretação literal dos direitos e garantias previstos na Constituição, todas eram coisas a combater, se possível extirpar.

Bem como a tal independência e harmonia dos poderes.

Quem melhor soube interpretar esse espírito do tempo foi o candidato Jair Bolsonaro. Talvez mais por intuição que fruto de elaboração, pouco importa. O fato é que ele estava bem posicionado e equilibrou-se na prancha para pegar com muita felicidade a onda decisiva no mano a mano final em 2018. Assim como tivera a competência, e a sorte, para chegar à decisão.

Bolsonaro é portando não apenas agente, mas também e talvez principalmente resultante da construção de uma narrativa. Que está aí, essencialmente íntegra. As concessões do presidente ao “sistema” para sobreviver parecem ser recebidas pelos fiéis a ele como a velha operação de entregar os anéis para não perder os dedos. É o que mostram as pesquisas.

Aconteceu algo semelhante com Luiz Inácio Lula da Silva no caminho para chegar ao poder e consolidá-lo. As concessões que precisou fazer aos grupos dominantes, principalmente na economia, nunca enfraqueceram o núcleo central da narrativa do petista, porque em nenhum momento ele teve arranhada a imagem de compromisso com o combate à pobreza.

É possível especular se a transição do PT para Bolsonaro não representou mesmo certa mudança de estado mental coletivo em que combater a corrupção e a “porex” (política realmente existente) passaram a ser mais centrais que combater a pobreza. Se a hipótese estiver correta, Sergio Moro eventualmente poderá até deslocar a esquerda e tirá-la da decisão em 2022.

Mas 2022 está longe, concentremo-nos no agora. De volta às narrativas, a única que a oposição a Bolsonaro está produzindo é que a luta contra o presidente é para salvar a democracia. Não à toa Bolsonaro guinou ao centro (até quando ele suportará?) e alguns gestos singelos já neutralizaram parte da oposição moderada, que no limite se confunde com a situação moderada.

Se a oposição não cuidar de construir uma linha estratégica, suas táticas correm o risco de escapar entre os dedos como a água que o sujeito tenta carregar nas mãos. O PT só foi derrotado quando sua narrativa hegemônica recebeu pela frente uma contranarrativa, consistente e bem conectada ao tal espírito do tempo.

O partido pode até dizer que foi derrotado pelas fake news, mas se acreditar nisso é autoengano.

*

Segue animado o debate sobre a frente pela democracia, sobre sua conveniência e viabilidade. Para (não) variar, nela nem tudo são flores. Há os afagos mas também as cotoveladas. Coisa fácil de resolver. Basta, por exemplo, todos que dizem defendê-la se comprometerem a apoiar no segundo turno em 2022 qualquer um da frente que tenha chegado à decisão.

Análise política fica meio maçante sem um pouco de bom humor.

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