sexta-feira, 16 de outubro de 2020

Um adversário de cada vez

O movimento do presidente Jair Bolsonaro no sentido de uma composição com o chamado centrão parlamentar tem algo sim de moderação. Mas já foi bem diagnosticado como guinada para a preservação do poder. Ele soube detectar de onde vêm as maiores ameaças. Dos que o ajudaram na eleição, mas a contragosto.

A flexão tática bolsonarista ao dito centro trouxe um efeito colateral interessante, um fenômeno ainda por medir e observar. Um "novo centro" que, paradoxalmente, radicaliza pela direita. Uma reação de parte do bolsonarismo puro e deixado para trás, agora já um quase ex-bolsonarismo, e que tem tudo para se agrupar em torno do ex-ministro Sergio Moro.

Aliás, como era previsível, e foi previsto, ele desponta firme para se viabilizar no arco-íris do autodeclarado centrismo.

Aconteceu algo semelhante com Luiz Inácio Lula da Silva quando precisou se dobrar à realidade da política. Mas com uma diferença. O que espirrou para fora do barco (o PSOL) não tinha então musculatura nem lideranças capazes de fazer o PT sofrer de verdade no curto prazo.

Se juntar Luciano Huck, Sergio Moro e João Doria, algum jogo pode dar. Há a natural dificuldade de fazer dois dos três abrirem mão. Até porque o prêmio parece apetitoso: assumir a Presidência da República com apoio maciço do establishment e do que Roberto Campos chamava de “a opinião publicada”. Algum do trio aceitará ser vice? Vai saber…

Um desafio? O Brasil não chegará a 2022 em situação econômica brilhante. Haverá provavelmente, e inclusive graças à Covid-19, mais pobres e quase tantos desempregados quanto havia quando Dilma Rousseff foi removida do Planalto. Se não mais.

Por que a referência é o ocaso de Dilma? Porque ao final de 2022 já terão se passado longos mais de seis anos desde que foi apeada. E de lá para cá as políticas econômicas vêm seguindo uma linha de continuidade. E sempre com o apoio do antibolsonarismo dito de centro. É razoável portanto que o debate em 2022 volte a girar em torno da economia. O resultado das escolhas feitas. Isso se a oposição for esperta.

Um debate político centrado na economia não será muito confortável para o chamado centro, em seus diversos matizes, pois terá de explicar por que depois de mais de seis anos as coisas continuam, na essência, do jeito que estavam antes. E como encarnar o anseio de mudança propondo mais do mesmo? Não será trivial.

E tem também aquele outro problema, já detectado em 2018. A insistência em querer combater ao mesmo tempo a esquerda e a direita que se assume como tal. É a história do gato que persegue dois ratos ao mesmo tempo. O mais provável, quase certo, é não capturar nenhum. Aliás, a experiência de 2018 já deveria ter servido para alguma coisa.

Poderiam aprender também com Joe Biden. Não dá para antever que o democrata vai ganhar, mas por enquanto ele mostrou ter absorvido uma lição fundamental na política. Procure sempre acertar na definição do adversário principal, que a cada momento é apenas um. O custo de errar nisso costuma ser muito alto.

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Publicado originalmente na revista Veja número 2709, de 21 de outubro de 2020

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