Há algumas dúvidas sobre o resultado desta eleição municipal. Uma: qual será o desempenho dos candidatos apoiados pelo presidente Jair Bolsonaro. Outra: em que grau o PT conseguirá se recuperar da dura derrota de 2016, no auge da Lava-Jato. Mais outra: qual será desta vez o fôlego da chamada nova política.
Dúvidas à parte, pelo menos uma coisa é certa desde já. A
grande massa dos prefeitos e vereadores eleitos chegarão a janeiro de 2021
abrigados nos partidos do chamado centrão. Ou do centrão formal, estrito senso,
ou do centrão ideológico, lato senso. Uso aqui o “ideológico” apesar de parecer
uma contradição em termos.
A previsão tem pelo menos três razões objetivas. Os partidos
do centrão são em geral legendas médias, dotadas de razoáveis fundo partidário e
eleitoral. São também relativamente alheios à recente agudização da polarização
político-ideológica, o que os imuniza em algum grau contra ter de carregar
fortes rejeições.
A terceira razão, entretanto, é a que pesa mais. Desde
quando Jair Bolsonaro ajustou a rota e estabeleceu uma quase tradicional
política de alianças no Congresso Nacional, os partidos que lhe ofereceram um
colchão de segurança passaram a ter acesso preferencial ao orçamento. Que
costuma ser essencial para investimentos na vida dos municípios.
Uma palavra de ordem muito usada na campanha eleitoral
bolsonarista foi “Menos Brasília, Mais Brasil”. A descentralização de recursos
para fortalecer estados e municípios e diminuir a dependência destes ao governo
federal. Seria injusto fazer um diagnóstico definitivo depois de apenas dois
anos, mas por enquanto pouco ou nada aconteceu nesse sentido. Ao contrário.
Uma rotina do presidente da República tem sido visitar os
estados e municípios para lançar ou inaugurar obras feitas com dinheiro federal
e canalizadas para a região por emendas parlamentares da autoria de deputados e
senadores que apoiam o governo em Brasília, e por isso têm mais trânsito nos
ministérios a quem compete liberar a verba.
É bastante razoável prever que deputados e senadores com
mais acesso ao Orçamento Geral da União terão mais facilidade para eleger seus
prefeitos e vereadores. Os quais, naturalmente, estarão propensos a apoiar os
benfeitores daqui a dois anos. E mantém-se o tradicional sistema de reprodução
de poder na República.
Eis por que é devaneio imaginar, como chegaram alguns, anos
atrás, a iminência do colapso do que a ciência política apelidou de
“peemedebismo”. E que não necessariamente tem a ver com o PMDB. É o predomínio
numérico de uma massa de partidos sem capacidade hegemônica mas com suficiente
musculatura para impedir qualquer um de governar sem se dobrar a eles.
Como romper a lógica? Um caminho seriam reformas políticas
que permitissem ao eleito para o Executivo, nos três níveis, carregar com ele
uma maioria parlamentar. Ou seja, pedir ao sistema que cometa haraquiri.
E olhe que não seria difícil encontrar fórmulas. Uma: calcular as cadeiras nas Câmaras de Vereadores, Assembleias Legislativas e Câmara dos Deputados não pelo voto dado às legendas na eleição parlamentar, mas na eleição de prefeito, governador e presidente.
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