segunda-feira, 21 de maio de 2018

Pressões para o PT apoiar Ciro são peça de um jogo maior: viabilizar o centro, mas pela esquerda

Uma parte conhecida do jogo político é o sistema de gôndolas. Os grupos sociais, hegemônicos ou subordinados, buscam alternativas nas facções políticas, para construir as maiorias eleitorais ou parlamentares indispensáveis à concretização dos chamados projetos de poder. Como quem escolhe produtos na gôndola do supermercado.

Assim, as facções político-parlamentares deslocam-se conforme sopra o vento, de olho principalmente na própria sobrevivência imediata. É um fenômeno que na literatura clássica recebeu o nome de cretinismo parlamentar. A força do desejo vai produzindo uma cegueira progressiva para o que existe fora do microcosmo. E o curto prazo esmaga o longo.

Claro que isso tem um custo, para quem flutua: logo à frente ele é descartado, e na primeira oportunidade, conforme deixa de ter utilidade. Mas o pássaro na mão costuma ser suficientemente tentador para desestimular a troca pelos dois que voam. E o ritual se repete em ciclos, sempre com novos atores. Não costuma faltar produto na gôndola.

Talvez estejamos vivendo um desses momentos. O nó da eleição está no fato de o establishment não ter um candidato que, ao mesmo tempo, empolgue a massa e se comprometa com a continuidade estrita do programa econômico e geopolítico do governo Michel Temer. Já se tentou de tudo. Ou, pensando bem, quase tudo. Ainda existem pelos menos duas cartas na manga.

Já se tentou construir a alternativa por dentro do governo Temer. Ela viria na onda do sucesso da economia e teria o nome de Henrique Meirelles. Mas a onda parece ser fraca, e politicamente quebrou cedo. E se viesse forte o presidente perguntaria, como perguntou: “por que não eu?". Então a coisa anda mal parada, tanto que a especulação passou a ser Meirelles vice.

Teve também a fase do novo. No começo era Luciano Huck, o que faria os liberais se conectarem ao povão pela primeira vez desde o Plano Real. Mas faltou couro grosso. Na hora h o astro percebeu que a relação entre o benefício e custo não seria boa. Huck precificou o risco e a inteligência prevaleceu sobre a vaidade. E ele caiu fora. Como Joaquim Barbosa depois.

A fraqueza do governo e o esvaziamento dos ensaios de novidade abrem uma nova janela de oportunidade para o PSDB. Bem ou mal, Geraldo Alckmin roça os dois dígitos, o partido tem musculatura, experiência com alianças políticas, tradição de algum diálogo com os adversários e a confiança absoluta do establishment. É, sem dúvida, a primeira carta na manga agora.

Alckmin e o PSDB enfrentam vento contra, por serem de algum modo sócios-fundadores do governo Temer e não estarem imunes aos estilhaços da Lava-Jato. É um erro pensar que o PSDB está fora do jogo, mas o partido e o candidato vão travar uma batalha morro acima. Além de tudo tem Bolsonaro e mais um punhado de gente no pelotão que disputa os votos da direita.

O establishment nunca aposta num único cavalo. E se Alckmin não decolar? Marina Silva parece frágil, e Bolsonaro é risco sério de derrota num segundo turno contra a esquerda. Álvaro Dias ainda precisa provar competitividade. Por que então não voltar ao supermercado e procurar uma esquerda que dê tonalidades populares a essa coisa de centro? Lula poderia ser isso, mas está fora.

Então por que não Ciro Gomes? Uma aliança com Ciro representaria para o PT a possibilidade de recomposição com o establishment, mas numa posição subordinada. Faz sentido para os governadores candidatos à reeleição. E faz sentido para petistas com perfil para a vice de Ciro. Mas não faz tanto sentido assim para Lula, que antes de tudo quer continuar mandando na própria tropa.

E o PT está preso a Lula, porque é ele quem tem os votos. E enquanto tiver isso estará politicamente vivo, mesmo preso. Ou seja, o preço que o establishment cobra para apoiar a esquerda, a morte política de Lula, é proibitivo para quem na esquerda tem garrafas para entregar, o próprio Lula. Esse é o principal complicador da segunda carta na manga.

Há sempre a alternativa de isolar o PT e tentar construir uma aliança apresentável como de centro-esquerda. O risco, como aconteceu em 2014, é direita e esquerda se juntarem taticamente para neutralizar o risco da quebra da polarização clássica, ou de repaginação da polarização.

E segue o jogo.

quinta-feira, 17 de maio de 2018

Preso, Lula mantém a iniciativa na disputa eleitoral

O mercado financeiro anda nervoso, dizem, com as últimas pesquisas. Uma razão, dizem também, é a anemia dos candidatos ditos de centro. Talvez devêssemos pedir um desconto na compra dessa versão, pois o nervosismo cambial parece afetar os emergentes em bloco. Mas alguma coisa está dando errado no roteiro das conexões projetadas entre economia e política.

O motivo parece claro: os resultados da ponte para o futuro, do consórcio que fez trocar Dilma Rousseff por Michel Temer, não parecem sensibilizar o eleitor a ponto de convencê-lo a decidir pela continuidade. E, assim como a maioria do eleitorado apoiou dois anos atrás aquela mudança, os levantamentos de intenção de voto indicam propensão a uma nova troca de guarda.

Importa menos aqui argumentar que a dose do remédio foi insuficiente, ou que o tratamento dará certo se o paciente esperar mais tempo pelos resultados: infelizmente, os dois turnos da eleição estão marcados para outubro. Isso implica que o resultado da urna será fortemente impactado pelo estado de ânimo do eleitor em agosto/setembro. É como as coisas funcionam.

Daqui até lá, os candidatos precisarão treinar ideias e colocar algumas propostas no forno, que ajudem a responder isto: para a economia crescer e gerar empregos, em quantidade e de qualidade, a melhor receita é mais Estado ou mais mercado? E tem os corolários, um deles como fazer para melhorar a situação da previdência social, esse abacaxi e tanto.

Em mais uma constatação de que não existe almoço grátis, se Dilma ainda estivesse no Planalto o PT estaria enredado no desafio de explicar por que produziu uma recessão recorde, e o liberalismo econômico estaria confortável em vender-se como a salvação da lavoura. Mas o governo Dilma foi para os arquivos, e o argumento eleitoral do PT serão os oito anos de Lula.

E atacar o PT, Lula, Dilma, terá efeito apenas relativo. É um engano achar que o petismo mostrou resiliência no poder porque atacou Fernando Henrique e o PSDB. O PT no poder ganhou três eleições seguidas porque seus resultados foram melhores, na percepção. As circunstâncias ajudaram? Isso não tem a menor importância como argumento de venda para o eleitor.

As pesquisas mostram um cenário em boa medida congelado, com um terço pelo menos do eleitorado à espera da definição de se Lula será candidato. Ou, numa proporção menor, quem será o candidato apoiado por Lula. Aqui, interpretações de viés messiânico vão errar: o pessoal não está aguardando cegamente a palavra do líder, espera pelo portador de alguma boa nova.

A opinião pública anda entretida com ideias vazias de significado popular, como o tal “centro”, ou então teses que impactam muito lateralmente, como o "novo”. Esqueceram que precisam responder o “para fazer o quê?". E o PT aproveitou esse lapso, de tempo e de ideias, para consolidar no eleitorado dele a saudade dos tempos de Lula, e da figura de Lula.

Eis por que o ex-presidente, preso, continua com a iniciativa. E isso dá sentido à tática petista de lançar a candidatura dele e ir com ela o mais longe possível. E ir observando os acontecimentos. E, na hipótese razoável de nenhum outro conseguir encarnar com força a esperança de dias melhores para o povão, aparecer, aí sim, com uma novidade. Esse parece ser o desenho.

Se vai funcionar, os fatos, sempre eles, dirão. Tudo sempre pode dar errado. Ainda mais num cenário confuso e complexo. Mas algum otimismo petista é justificável, pois os outros atores têm dado uma boa ajuda.

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Publicado originalmente no www.poder360.com.br

domingo, 13 de maio de 2018

Os problemas de cada um na corrida pela vaga no segundo turno. E a lógica de Lula da prisão.

Vamos começar pela esquerda.

Ela tem alguns ativos: Lula e a má avaliação do governo Michel Temer e da política econômica. E tem problemas graves: Lula está preso e ficará inelegível quando a candidatura dele for registrada. Para complicar, sem Lula e sua liderança natural cada pedaço da esquerda enxerga a janela de oportunidade para deixar a sombra do PT.

Outro obstáculo é o isolamento político. O PT e aliados venceram as últimas quatro eleições presidenciais tendo também o apoio de pedaços da direita. Hoje isso é mais difícil. O PT perdeu o governo, e sua expectativa de poder é um ponto de interrogação. E a dificuldade de convergir o progressismo também dificulta atrair quem só se preocupa em acertar o ganhador.

Uma velha piada dos anos 70, quando se debatia interminavelmente na esquerda se a tática política deveria incluir alianças com não esquerdistas mas adversários da ditadura, os na época chamados de liberais: “Sabe a diferença entre o cara de direita e o liberal? Liberal é o cara de direita que nos apoia. Direita é o liberal que não quer nos apoiar." Desce o pano.

Neste 2018, quatro décadas depois, está em falta o não esquerdista que tope aderir a um projeto político capitaneado pela esquerda. Por duas razões. O capitalismo nacionalista foi abduzido de fora ou triturado, e deixou de ter capacidade de projetar subimperialismos. E o liberalismo dito centrista virou coadjuvante e se submete à hegemonia ideológica da direita.

Agora vamos olhar para a direita.

Ela tem dois ativos: o desgaste do PT e a inelegibilidade de Lula. E tem um problema grave, além da falta de resultados populares na economia: o radicalismo abre espaço a que o PT e a esquerda voltem a ter mercado eleitoral potencial em segmentos que vinham progressivamente buscando distância de Lula e aliados. A direita também corre o risco de isolar-se no fim.

Sobre a economia, o problema da direita é a recuperação em curso estar fortemente baseada em ganhos de produtividade. Ninguém, ou quase ninguém, está recontratando no ritmo das demissões da recessão. Por isso, a retomada só é bonita nas páginas do jornalismo econômico. Quem está desempregado ou caiu degraus na escala social do trabalho não acha graça.

Outro problema: Nas últimas quatro eleições o PSDB perdeu mas manteve a hegemonia em seu campo porque conseguiu, em algum momento, apresentar-se como a expectativa mais palpável de poder. Um desafio de Geraldo Alckmin é descolar do bolo de um dígito e, a partir daí, passar a atrair os outros pedaços da direita que se vestiram de centro para a festa da eleição.

E tem Jair Bolsonaro. A resiliência dele cria um obstáculo aritmético para os desafiantes em seu campo. A velha lógica diz que ele perderá substância quando a campanha começar, pelo pouco tempo de televisão. Mas, e se a lógica tiver mudado? Como fazer? Bater nele? Nos concorrentes “de centro”? No PT? Não bater? Um desafio e tanto para o marketing.

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Na esquerda, o aliancismo lamenta que Lula e o PT estejam aferrados à tática de esticar a corda até o final e segurar o jogo. Mas, se a viabilidade da aliança depende do PT e de Lula, por que estes deveriam se submeter à lógica política de quem tem menos garrafas para entregar?

As manifestações de Lula da prisão são óbvias: ninguém está obrigado a segui-lo, mas se quiser seguir será nos termos dele, que é quem tem os votos.

Não tem bonzinho na política, outro ramo da atividade humana onde quem pode mais chora menos. E se alguém chora mais é porque pode menos.

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Talvez o mais inacreditável na história do documento da CIA sobre Ernesto Geisel, João Figueiredo e a política de extermínio de adversários políticos é o papel ser público desde 2015 e ter sido descoberto só agora, por acaso. Engenharia de obra feita, pelos outros, é fácil. Dito isso, cada um que tire suas próprias conclusões sobre o episódio.

quinta-feira, 10 de maio de 2018

As boas intenções nos levam ao inferno

Joaquim Barbosa saiu da disputa presidencial e (surpresa!) culpou o sistema político. Mais ou menos como fizera Luciano Huck. Assim, até eu. Quando o jogo é à vera e fica difícil, caio fora e não brinco mais. A vida é dura, camaradas.

Huck desistiu duas vezes da candidatura, e o farto noticiário secou. Barbosa está filiado ao PSB, e daqui até agosto pode ser especulado para outras posições. Deve continuar frequentando, agora talvez como moeda de troca do partido.

O sistema político brasileiro é mesmo bastante impermeável à renovação. E aqui vale o velho ditado, de que de boas intenções está cheio o inferno. Os recentes movimentos para melhorar só têm ajudado a piorar.

A opinião pública exigiu fidelidade partidária. Exigiu o fim do financiamento empresarial das campanhas e partidos. Conseguiu ambos. O resultado: a política brasileira consolidou seu traço cartorial. Consolidou o poder dos proprietários de legenda.

Se o sujeito não quiser enveredar pelo crime nem ser fantoche de milionário entediado que resolve gastar um troco para brincar de renovar a política, o único caminho é submeter-se a algum dono de partido.

Para poder concorrer e ter recursos na campanha. Daí por que todas as previsões apontem taxa de renovação baixa este ano no Congresso. Pois o dinheiro do fundo eleitoral será canalizado preferencialmente para quem já tem mandato. #FicaaDica.

Verdade que nossa opinião pública lutou bravamente contra o fundo público eleitoral. Mas aí também já seria demais. Fazer política sem dinheiro é quase tão possível quanto, por exemplo, fazer jornalismo sem dinheiro. A realidade acaba por prevalecer.

De um jeito ou de outro. E ela prevaleceu. Não completamente, como lembrou na 3ª feira ao Poder360 um aliviado Jair Bolsonaro, quando perguntado como fazer para diminuir o excessivo número de partidos.

Singelamente, o atual líder nas pesquisas sem Lula respondeu que se houvesse menos partidos –outra exigência da opinião pública– possivelmente ele não conseguiria ser candidato. Você não precisa curtir o Bolsonaro para aceitar essa verdade.

Se ao quadro atual acrescentarmos a cláusula de barreira, aí sim o serviço estará completo. E isso já está contratado, para daqui a 4 anos. E a opinião pública poderá, como Nero, tocar harpa enquanto Roma pega fogo.

A causa de o Brasil ter muitos partidos não é legislação frouxa. Os partidos multiplicam-se porque é impossível desafiar os donos de legenda por dentro das estruturas.

Aqui Barack Obama jamais teria derrotado Hillary Clinton, muito menos Donald Trump conseguiria tratorar todo o establishment do Grand Old Party. O resultado é a multiplicação das siglas pelo que na biologia se chama de cissiparidade. Quando o ser vivo nasce do outro por uma simples mitose.

E mesmo essa fresta será em boa medida bloqueada, pois a partir de 2022 os novos partidos não terão mais dinheiro nem tempo de televisão. Sem poder arrecadar de empresas ou comprar publicidade, quem quiser desafiar o sistema terá de lutar em condições completamente desiguais.

Ou meter-se a negociar com o oligopólio partidário. E teremos regredido na política ao estágio tribal. Vai ser divertido assistir o pessoal tentando desatar o nó.

Não seria tão difícil assim de resolver. Bastaria impor mecanismos para democratizar a vida partidária-eleitoral. Por exemplo, exigindo que os candidatos sejam escolhidos em eleições internas com direito a voto de todos os filiados. E limitando o direito de veto a filiações. E proibindo o partido de ter candidato onde só tenha comissão provisória. E voltando o financiamento empresarial, mas com duros controles. E permitindo a compra de publicidade.

Dá para fazer. Seria um avanço civilizatório para a nossa democracia. E seria glorioso ver varridos para a lixeira todos os “aperfeiçoamentos” recentes. Vai acontecer? Duvido. Os sabichões da opinião pública precisariam admitir que fracassaram e que suas brilhantes ideias produziram o oposto do que prometiam. Não sei se estão preparados para tanto.

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Publicado originalmente no www.poder360.com.br

segunda-feira, 7 de maio de 2018

Álvaro Dias corre por fora. Se encostar em Alckmin, ganha músculos para disputar o projeto dito centrista

Poucas vezes no Brasil foi tão verdade a máxima do mineiro Magalhães Pinto, da política como as nuvens no céu. “Você olha, e está de um jeito; você olha de novo, e está de outro.” Em especial no chamado centro, que procura se ajeitar para tirar ou a esquerda ou a direita de raiz do quase certo segundo turno, dado o número de candidatos com razoável intenção de voto.

A semana foi boa para Geraldo Alckmin, que vê murchar rapidamente a viabilidade de um adversário governista puro na eleição. As atribulações jurídicas atrapalham Michel Temer e a pasmaceira econômica é um obstáculo a Henrique Meirelles. Nada é definitivo, mas qualquer um dos dois terá de enfrentar batalha morro acima para demover o MDB de não ter candidato.

A tática de Alckmin é boa. Garantir uma coligação com algum músculo e esperar pelo esvaziamento dos adversários em seu campo. Com o governismo, isso já está encaminhado. Restam porém dois problemas: o polo Marina Silva/Joaquim Barbosa e, menos falado, o projeto do senador Álvaro Dias. O primeiro está sujeito aos humores do PSB. Vamos então tratar do segundo.

A pré-campanha de Dias vai em relativo silêncio, mas tem ganhado terreno. Seu Podemos atraiu parlamentares, ele mantém consistentemente um patamar não desprezível nas pesquisas e está bem fincado no Sul, especialmente no seu estado, o Paraná, essa Canudos da Lava-Jato. Tem experiência na administração, foi governador, e percorre longa carreira legislativa.

Uma desvantagem de Dias para Alckmin, no momento, é São Paulo. Mas o ex-governador paulista enfrenta em seu reduto um Jair Bolsonaro que parece entrincheirado. Se e quando conseguirá finalmente esvaziar o balão do capitão, é uma incógnita. Em 2014 Aécio Neves conquistou São Paulo só na última semana do primeiro turno, e por absoluta falta de adversário.

Outro problema de Dias é a relativa fraqueza partidária. Que ajuda a vender a ideia de uma candidatura “nova”, mas traz também desvantagens operacionais e políticas, como a a dúvida que assola a dupla Marina-Barbosa: “Vai conseguir governar?". Horror aos políticos e à política é chique antes da eleição. Depois de eleito, passa a ser um passivo.

Se bem que 2019 trará, caso vingue a eleição de um dito centrista, a pressão furiosa do establishment, imprensa incluída, para o Legislativo absorver, sem grande resistência, os projetos do vencedor. “É agora ou nunca.” A passividade algo bovina do atual Congresso diante da desenvoltura legislativa-constituinte do Supremo Tribunal Federal faz crer que a tática pode colar.

Poucas vezes se viu um Congresso tão disposto a abrir mão de poder, para proteger-se. Diante do movimento em pinça da Lava-Jato e do STF sobre o Legislativo, a reação dos deputados e senadores tem sido o não-confronto. Se isso se mantiver após janeiro, um presidente dito centrista poderia ter a oportunidade de tentar governar por meio de um bonapartismo de elites.

Mas é prudente um candidato a presidente procurar costurar alguma base política. Quem está mais adiantado nisso é Alckmin. Se Dias atrair o PRB de Flávio Rocha e avançar na disputa do Democratas, entra decisivamente no jogo. E se Dias encostar nas pesquisas em Alckmin pode criar uma onda, ou pelo menos uma janela de moda. Se vai aproveitar ou não, é outra história.

Só uma coisa é certa: o establishment fará o diabo para empurrar um mais autêntico dos seus ao segundo turno. Onde o antipetismo, a rejeição a Bolsonaro ou a anemia político-programática de Marina ou Barbosa serão usados maciçamente para definir a eleição. A peça está escolhida, o teatro também, e entramos agora na fase da seleção do elenco.

A economia entra no período eleitoral como um passivo. A não ser que haja um milagre daqui até outubro, os condutores dela deverão ter de explicar o que deu errado. Especialmente na reforma trabalhista, que reduziu custos do capital mas não implicou retomada da força de trabalho. Um desafio e tanto para os jornalistas e publicitários das campanhas.

E um problema para Alckmin, pois a reforma trabalhista é mais até do PSDB que do governo Temer.

quinta-feira, 3 de maio de 2018

Ortodoxos de mau humor, um sintoma de que as coisas não vão bem

Um indicador importante do andamento da política econômica é o humor dos economistas que defendem a política econômica. E eles estão de mau humor, com razão. O Poder360 listou os números mais recentes 2ª feira, bem no meio do feriado prolongado, e são desanimadores.

Na imprensa e nas redes sociais, os chamados ortodoxos têm escorregado para a desqualificação dos adversários. É sempre um sintoma.

A escolha dos adversários do PT em 2015/2016 não era simples. A economia do 2º mandato de Dilma Rousseff estava em frangalhos, produzia-se uma recessão de tempos de guerra.

O PT chegaria à eleição de 2018 com a missão duríssima e monotemática: responder por que tinha conduzido o país ao desastre. Mas deixar o PT no poder era arriscado. O partido já tinha mostrado 3 vezes que no governo tem o know-how para ganhar eleição.

O que aconteceu todo mundo sabe, e o governo Michel Temer assumiu com um objetivo: melhorar a economia e chegar a 2018 com o mérito de ter salvo o país do desastre produzido pelo PT.

O argumento eleitoral seria automático. “Você quer que o Brasil continue se recuperando ou prefere a volta de quem quebrou o Brasil e produziu a recessão e o desemprego?” Para alcançar o alvo, a receita era mais disciplina fiscal e forte estímulo ao investimento privado.

Só que parece não estar funcionando. Nesta véspera de eleição a economia vai mal, o governo e o Congresso patinam e a oposição tem a oportunidade de fazer do debate um julgamento da política econômica de viés liberal.

Uma única bala para atingir 3 adversários: o do governo, Geraldo Alckmin e o próprio Jair Bolsonaro, que terceirizou o assunto para Paulo Guedes. Sem contar outros hoje menos votados, como João Amoêdo e Flávio Rocha.

É tentador demais. “Por que a economia afundou no governo Dilma? Porque ela abriu mão de impostos, acreditou que os empresários investiriam e gerariam emprego, mas os empresários preferiram colocar o dinheiro a juros. Aí a situação das contas públicas se deteriorou, o desemprego explodiu, o consumo despencou e a economia foi para o abismo. Se a gente ganhar em outubro, a política econômica vai ser a do Lula, e não a da Dilma.”

Note, leitor ou leitora, as aspas. Não discuto aqui se esses argumentos estão “certos” ou “errados”. Ou quanto de honestidade intelectual há nas teses lado a lado. Vou deixar isso para o interminável debate entre liberais e keynesiano-marxistas, polêmica que promete se prolongar até o fim dos tempos.

A discussão aqui é sobre percepção, o elemento decisivo nas campanhas eleitorais. Já que, para desgosto dos especialistas, a eleição é decidida pelos leigos.

O liberalismo entra em desvantagem na porfia. Terá de explicar que o resultado não é bom porque a dose do remédio foi insuficiente. Ou que a política atrapalhou a economia. Vão soar como desculpinhas.

A saída? Tentar deslocar o debate eleitoral da economia para a corrupção, sempre um tema popular. O problema? Uma disputa eleitoral centrada na denúncia da corrupção política não seria o melhor ambiente para um candidato “de centro”. #FicaaDica.

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Publicado originalmente no www.poder360.com.br

segunda-feira, 30 de abril de 2018

A maior dificuldade para o "centro" é ser, até o momento, indistinguível da opção mais autêntica: Bolsonaro

O espaço noticioso e analítico ocupado até agora pelo autonomeado centro (eliminaremos doravante as aspas por economia de espaço) anda diretamente proporcional à indiferença do eleitorado diante de ter ou não um candidato centrista competitivo. O fenômeno não chega a ser novo. De tempos em tempos nossa nata intelectual se refugia num universo paralelo.

Essa fuga resulta também de certa conhecida compulsão sebastianista, de buscar num passado que nunca volta velhas soluções para um presente recheado de problemas algo originais. E o problema novo do centrismo é ter perdido a hegemonia sobre seu bloco, ter perdido a capacidade de subjugar pacificamente a direita de raiz, como fazia desde a redemocratização.

Ou desde pelo menos 1994, quando Fernando Henrique Cardoso se aliou ao PFL para, impulsionado pelo Real, derrotar Lula. Bater o líder petista ali e dali a quatro anos deu não só dois mandatos presidenciais ao PSDB: deu-lhe o comando sobre um bloco histórico, posição que resistiu à passagem de um quarto de século, e a três derrotas em disputas presidenciais.

Mas parece não estar resistindo à quarta. Assistimos à rebelião da direita contra o PSDB, e a resiliência de Jair Bolsonaro é uma expressão. Em parte porque os tucanos compartilham com o PT fragmentos do DNA e da visão de mundo, como Jessé de Souza explica. Em parte porque a direita desconfia de que pôr as fichas no PSDB arrisca uma quinta decepção no pano verde.

É difícil a equação do PSDB. Se acenar à esquerda, corre o risco de alienar decisivamente uma massa eleitoral que lhe dá competitividade desde FHC. Se ceder ainda mais à bolsonarização, abre espaço a que o PT, ou algum satélite petista, apareça, numa armadilha típica da política, com alternativas eleitorais palatáveis ao centrismo. Será que Lula está nessa?

Foi sintomático FHC lamentar dias atrás não ter mantido pontes melhores com a esquerda. Tem algo de Fausto entristecido quando o tinhoso traz a conta depois da longa juventude, mas não deixa de ser interessante. O ex-presidente tucano deve estar desconfortável como aiatolá ainda oficial de uma legenda cujos novos líderes preferem o MBL a Max Weber.

FHC é cada vez mais apenas um retrato na parede, tratado com respeito, mas de influência residual. O PSDB hoje é João Doria, Nelson Marchezan, Nilson Leitão e Rogério Marinho. Vem também daí parte das dificuldades de Geraldo Alckmin, que talvez sintetize melhor o centrismo à procura de uma cadeira depois que a música parou de tocar de repente.

O que distingue exatamente hoje o discurso e o programa do PSDB, e de outros candidatos à cadeira do centro, do bolsonarismo? Quem tiver tempo e paciência, que se aventure na missão de procurar. Na economia, talvez uma dose a mais de liberalismo. Para azar, os últimos resultados da política econômica não são exatamente animadores eleitoralmente aos liberais.

Sobre a Lava-Jato, PSDB, centristas menos votados e bolsonaristas estão alinhados no apoio entusiástico à prisão e à inelegibilidade de Lula. O que faz mais complicada a missão de algum petista, talvez Fernando Haddad, disposto a reconstruir aquele sonho do final dos anos 80 e início dos 90, de uma aproximação com os tucanos em torno de teses social-democratas.

Restam os temas identitários e ambientais. Aí poderia ter jogo. O tucanismo poderia eventualmente reinventar-se como macronismo, juntando liberalismo econômico, identitarismo e ambientalismo. Não por acaso é a pauta feroz e recorrente de onze entre dez dos nossos principais órgãos de imprensa. Talvez seja o sonho secreto de FHC. Mas não seria fácil de operar.

Faltam os atores adequados na direita e no dito centro. Joaquim Barbosa? Veremos como se desenvolve a campanha. Mas as pesquisas mostram que não é coisa simples demolir os blocos ideológicos alinhados de cada lado, apesar do esforço da opinião pública, a advertir toda hora sobre o risco do extremismo. Quatro anos de Lava-Jato deram bom gás aos radicais.

quinta-feira, 26 de abril de 2018

Agitar a miragem do novo é o que há de mais velho

O debate em torno do centro veio substituir a discussão sobre o novo, que agora volta com força pelas mãos da provável candidatura de Joaquim Barbosa. Que nos sonhos da direita autodita centrista fundiria as duas qualidades: ser apresentada como a novidade de centro. No popular, juntaria o útil ao agradável, ou a fome com a vontade de comer.

E assim segue o debate eleitoral, orientado por miragens, como o novo ou o candidato de centro, sem nunca tocar no essencial: o que o indigitado vai fazer caso o eleitor decida dar a ele 4 anos no Palácio do Planalto. Até agora, os adjetivos e aparentados dominam a cena. Os substantivos, coitados, estão muito atrás na fila. Com boa chance de nunca serem chamados.

A esperança é a última que morre, então tenhamos esperança de que num belo dia o diálogo eleitoral apareça recheado de substantivos e verbos, esses elementos que injetam vida na comunicação. Já fui mais otimista, mas confesso que as últimas semanas diluíram meu otimismo. E a culpa, claro, é da esquerda e do PT.

Mesmo sob fogo cerrado, a esquerda e o PT conseguiram chegar até aqui exibindo músculos suficientes para a competitividade eleitoral. Diante disso, a direita, sempre desconfiada da própria capacidade de bater a esquerda num mano a mano transparente sobre como cada um vai governar, escapole para a velha fórmula do novo, agora atualizada pelo ingrediente centrista.

Em vez de discutir reforma da previdência, é muito mais fácil fazer campanha dizendo que todos os políticos são corruptos e o Brasil está seriamente ameaçado pelo extremismo. A solução, portanto, seria recorrer a alguém moderado e de fora do sistema, para inocular benignidade numa política tomada pela praga maligna da corrupção. E do extremismo. Depois da urna virá a conta, mas aí o serviço estará feito.

Se os propagadores dessa linha parassem para pensar com alguma honestidade intelectual (só os ingênuos acreditam que a política pode ser conduzida assim), ou pelo menos cuidassem de evitar passar vergonha mais adiante, admitiriam que poucas coisas são mais velhas na política brasileira do que aparecer na véspera da eleição brandindo a foto do novo que vai acabar com os políticos corruptos. Foi a fórmula de Jânio em 1960 e a de Collor em 1989.

Mas é preciso reconhecer: é inteligente tentar repetir o estratagema, pois das outras vezes deu certo. “Primeiro a gente elege ele, para evitar a vitória dos esquerdistas. Depois, se precisar, a gente derruba. ”Foi assim com Jânio, para acabar com a longevidade do getulismo. Foi assim com Collor, escalado contra o “monstro Brizula”, o pesadelo de ter Brizola e Lula na final.

E o detalhe curioso: três décadas separaram Jânio Quadros e Fernando Collor. E três décadas passaram desde a eleição do primeiro presidente pós-1964. Que assumiu pouco mais de três décadas após a revolução de 1930.

Talvez a mistificação do novo esteja de algum modo vinculada a fins de ciclo, e à incapacidade de o sistema se auto-renovar. Por que diachos a política brasileira vive de soluços? Bom tema para outra análise.

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Publicado originalmente no www.poder360.com.br

segunda-feira, 9 de abril de 2018

O primeiro tempo da final realista e fantástica acabou. Está 1 a 1. E vai ser jogo duro até o fim. Ou até depois

O juiz apitou o fim da primeira etapa e a partida vai empatada em 1 a 1. Lula está preso e a tentativa insistente de fazê-lo concorrer nas eleições será apenas um esticar de corda. Mas Lula também conseguiu sair das ruas querido pelos dele, em vez de apenas apedrejado, cuspido e xingado pelos adversários. O jogo que era para estar decidido continua aberto.

É improvável que a prisão tenha corroído decisivamente o capital político de Lula, do PT e do bloco de esquerda. No outro lado, a narrativa que consolida é a de Bolsonaro, dificultando descontruí-lo, e portanto tornando mais complexa a missão do autonomeado centro. O centrismo e o bolsonarismo ainda não são indistinguíveis, mas andam cada vez mais parecidos.

Já o juiz da partida parece ter suas próprias circunstâncias. Apita sem se sentir obrigado a seguir a International Board. E é sensível à pressão para dar um jeito de os dois times perderem. O que poderia eventualmente produzir a situação inédita de alguém da arbitragem levantar a taça. Pois nada deve ser descartado neste torneio de realismo fantástico.

E as coisas estranhas de um jogo estranho não param aí. O chefe do policiamento deu de opinar sobre como prefere que o juiz apite. E na tribuna de imprensa, em vez do barulho do teclado das máquinas (coisa antiga, sei), só se ouve o alarido da torcida para o juiz expulsar o máximo possível de jogadores de cada lado, mesmo que isso leve a decisão para o STJD.

Não é impossível os 90 minutos (ou a prorrogação, ou os pênaltis) conseguirem chegar ao final e alguém sobreviver para erguer o troféu. A inércia é poderosa. Mas engana-se quem acha que a coisa acaba aí. O perdedor vai ao tribunal. E a possibilidade de uma solução boa é mais ou menos a mesma de Flamengo e Sport conseguirem acordo sobre quem foi campeão em 1987.

Haja metáforas. Vamos à vaca fria. Com Lula fora, a esquerda precisará deixar de lado o faz-de-conta e decidir o que quer da eleição. Se é só "marcar posição” ou usá-la para preservar força política institucional. E a direita precisará começar a depurar seu amplo leque de opções, para tentar reduzir o risco de não comer o bolo depois de comandar toda a festa.

Os problemas de cada lado são visíveis. O único terreno em que a esquerda consegue unidade de ação é na luta para ver Lula livre. Conforme o processo eleitoral caminhar, precisará dar um jeito de apresentar ao distinto público uma alternativa de poder. Quem gosta de voto de protesto é intelectual, diria Joãosinho Trinta. Povo gosta mesmo é de governo que resolva.

Na direita, continua o desafio de vencer a eleição dizendo o que vai fazer se ganhar. Seu programa não é em si popular. No governo, a direita brasileira só faturou eleições quando a economia ia bem. E se a recessão parece mesmo ter acabado, nada indica que a recuperação virá com forte redução do desemprego e aumento de renda, a tempo de influir na urna.

Sem contar, e ainda tem isso, a permanente ressureição do “novo”. Marina relançou-se, mas o nome da vez é Joaquim Barbosa. Ele terá uma posição privilegiada no segundo turno, se chegar lá. É razoavelmente votável pela esquerda contra a direita, e também pela direita contra a esquerda. Por isso, ambas certamente farão tudo para acabar com ele no primeiro.

Há hoje cinco nomes com chance real de ir ao segundo turno. O candidato de Lula, Bolsonaro, Marina, um nome “de centro” e Barbosa. Ciro entra no grupo se atrair o apoio da esquerda. Se esta operar bem, tem vantagem para ocupar uma das vagas. O que faz crer numa guerra do outro lado. Com Bolsonaro e Marina, principalmente, trabalhando para lipoaspirar o PSDB.

E sempre tem o governo. Pego emprestada a frase: governo no Brasil é que nem cobra, até morta pode matar. Sarney, no chão, quase embaralhou a eleição de 1989 com a candidatura de Silvio Santos. Em meio à confusão, aliás, uma estrutura razoavelmente operacional continua sendo a administração Temer. Não tem prestígio, mas sobra-lhe munição.

Em meio ao caos, uma força organizada leva vantagem. Está aí a chave da conjuntura e do processo eleitoral. Quem conseguir se arrumar antes para apresentar-se ao eleitor como um produto viável para enfrentar os grandes desafios nacionais pode conseguir boa vantagem na largada. E se o circuito revelar-se de ultrapassagens difíceis, isso pode ser decisivo.

Haja metáforas. Talvez o número delas seja proporcional à confusão.

quinta-feira, 5 de abril de 2018

O PT entre o PowerPoint e o Excel

Faltaram a Lula e ao PT no STF força própria e alianças. É exatamente o risco que ameaça o partido na eleição de outubro. A legenda encara dois desafios: 1) reagrupar em torno de outra alternativa os cerca de 30% que se mostra(va)m dispostos a votar no ex-presidente e 2) montar chapas nos estados para recolher os cerca de 20% que declaram o PT a sigla preferida. Nenhuma das duas empreitadas será simples, especialmente com Lula imobilizado e desconectado do mundo exterior.

A favor do partido, resta a até agora bem-sucedida operação de politizar ao máximo todo o episódio de caça e condenação. Isso rendeu uma narrativa essencial para atravessar o deserto. Falta ainda saber quanto de espetáculo haverá na captura e no recolhimento do ex-presidente à prisão, e o efeito disso no eleitorado. Uma vez Lula preso, entretanto, a vida prática imporá ao grupo político por ele liderado a necessidade de organizar a batalha de outubro. No cenário positivo, buscando a vitória. No outro, a sobrevivência como ator relevante do palco institucional.

Segundo todas as pesquisas, Lula tem forte influência e capacidade de convencimento em um pedaço do eleitorado medido entre 25% e 30%. Mas isso é, por enquanto, potencial. Precisará ser realizado. O desafio estará na execução. Como em outras atividades, não é pequena a distância entre os slides do PowerPoint de planejamento estratégico e os números frios da última linha do Excel com os resultados da vida real. Uma coisa é a pesquisa dizer que 25% votariam no candidato do Lula. Outra é 25% votarem. Demandará muito trabalho.

O risco de dispersão não é pequeno. É da natureza da política, e da natureza humana, que os demais nomes do chamado campo progressista sejam pressionados pelos seus respectivos grupos a tocar a vida, enquanto o PT fica às voltas com a busca de uma alternativa à inviabilizada candidatura do ex-presidente. E quanto mais o petismo esticar esse enredo, para extrair da vitimização o máximo de dividendos, mais se complicará a vida dos alternativos. Fazer campanha normal ou manter-se na órbita do movimento petista de esticar a corda?

O outro lado

Se Lula fora da disputa remove parte do estímulo à polarização com Bolsonaro, o efeito mais visível da caça judicial e política ao ex-presidente vem sendo uma, digamos, bolsonarização do campo oposto. O episódio todo vem comprovando o caráter ficcional, ainda que baseado em fatos reais, da ideia de existir um “centro” na política brasileira em 2018. Ao contrário, é Bolsonaro que cada vez mais se torna mainstream. Não por estar se deslocando ao centro. Mas pelo “centro” estar navegando para a direita. Basta olhar o que vai, por exemplo, pelo PSDB.

Outro efeito provável da decapitação eleitoral de Lula será o “por que não eu?”. Reduz-se o estímulo a convergências do outro lado. A dispersão abre a possibilidade de ir ao segundo turno alguém, ou mesmo dois, com baixa votação, o que acende ambições em projetos por enquanto flácidos ou até anêmicos. Marina, Alckmin, Álvaro Dias, Temer, Rodrigo Maia, Meirelles, Rabello de Castro, Amoêdo, Flávio Rocha etc. A lógica diz que alguns destes sairão e outros serão vices. Mas a tendência no momento é centrífuga.

segunda-feira, 2 de abril de 2018

De omelete em omelete, vão acabando os ovos da democracia constitucional. E alguma Constituinte vem aí

O Brasil contempla a demolição explícita do edifício democrático-constitucional erguido na passagem que fechou o período de hegemonia militar (1964-85). Essa transição culminou na Carta de 1988, feita pelo Congresso com poderes constituintes eleito em 1986. A nova ordem ainda não nasceu, mas a velha já morreu. Ainda que de vez em quando pareça estar viva.

É sintomático que o respeito à letra da Constituição tenha deixado de ser argumento importante para decisões judiciais mais relevantes. Aqui, as formalidades importam pouco: quando o julgador descumpre uma norma constitucional a pretexto de estar interpretando um princípio constitucional abstrato qualquer, apenas reveste a coisa de alguma elegância.

A Carta de 88 mal veio e já entrou na linha de tiro. Imediatamente, o liberalismo econômico abriu campanha contra os aspectos corporativos, estatizantes e distributivos dela. Restavam porém relativamente intocados alguns mecanismos sociais conservadores. E os um dia reverenciados direitos e garantias individuais, que a faziam “uma das mais modernas do mundo”.

Agora não mais. Cada pedaço do texto passou a ser alvo de desconstrução. A moda vinha ganhando novas cores desde os anos 90, quando a esquerda se acostumou a ir ao STF sempre que derrotada nas reformas pró-capitalistas do governo do PSDB. E a tendência só se reforçou. Hoje, o Supremo virou no dia-a-dia casa revisora e “vetadora” do Congresso e do Executivo.

Uma aberração, mas lógica. A esquerda exige do STF respeito à letra da Constituição contra a obrigatoriedade da prisão após condenação em segunda instância, no contexto do respeito às garantias e direitos individuais. E festeja quando o tribunal, e não vê contradição nisso, revoga as normas constitucionais antiaborto e em defesa da chamada família tradicional.

Já o jornalismo levanta-se em armas na luta pelas liberdades de expressão e imprensa, mas aceita bem relativizar qualquer outro direito individual ou coletivo, se for necessário para combater a corrupção. Vale, para quem não é da casa, o “não se faz o omelete sem quebrar os ovos”. De vez em quando lamentam-se “excessos”, por atrapalharem a empreitada. E só.

A direita nunca chegou a curtir o texto de 1988, pelos motivos já apontados, mas o abandono dele pela esquerda e pela imprensa vem sendo fatal. O resultado mais bizarro é transformar o STF numa espécie de regência de onze regentes, e com amplos poderes constituintes. Uma completa anomalia pelo ângulo da assim chamada democracia representativa.

Este status quo é insustentável, e os exemplos históricos indicam que deverá ser substituído por alguma forma centralizada de poder político, quando a sociedade estiver esgotada da bagunça, pela absoluta impossibilidade de essa bagunça produzir prosperidade e paz social razoavelmente sustentáveis no tempo. A dúvida é quem vai cortar o nó górdio desta vez.

O apodrecimento político do Brasil de 2018 é exatamente função de nenhum ator ter a força para promover a ruptura, amputar o membro gangrenado. O nome mais lógico para a missão será o presidente eleito em 2018, um candidato a Bonaparte, ainda que trazido pela urna. Não chegará a ser uma novidade para nós, mas só estará disponível em janeiro de 2019.

Ele vai enfrentar entretanto inimigos formidáveis. Um são as corporações de Estado empoderadas e endeusadas pela opinião pública que viu nelas, com alguma razão, o instrumento disponível para mudanças políticas que não deu para fazer pelo voto. Ou alguém acha que STF, MPF, TCU etc vão se recolher apenas por haver um novo presidente saído da urna?

Outro desafio será um país plenamente convencido, após anos de doutrinação, à esquerda e à direita, de que os corruptos são a razão maior de o Estado não ter dinheiro para resolver os problemas da saúde, da educação, da segurança, dos transportes públicos. E que portanto basta eleger um governo honesto para os recursos aparecerem.

Como não basta, o novo presidente precisará tirar algum coelho da cartola para a frustração popular não se voltar contra ele bem cedo. Um coelho disponível, já que a Constituição foi para o vinagre e o processo constituinte está em curso aos trancos e barrancos, é pegar uma carona nele, tomando a liderança e chamando a sociedade para participar.

quinta-feira, 29 de março de 2018

Mais fácil achar o ET de Varginha que uma saída para a crise

A esta altura, parece termos chegado a um consenso: o Brasil entrou em excepcionalidade político-jurídica. Alguns apontam um estado de exceção já instalado, com objetivo eleitoral. Para outros, seguir as leis e a Constituição ao pé da letra facilita a impunidade dos corruptos e, portanto, deve-se ler a Carta não à luz do nela escrito, ou das intenções do constituinte, mas pelo lado do interesse social.

Essa segunda visão introduz o problema clássico: quem decide qual é o “interesse social"? A resposta certa é conhecida: define "interesse social” quem tem força para impor sua vontade ao conjunto do país. Desculpe o leitor a crueza, mas ela é pedagógica: debater “quem tem razão” na política costuma ser fútil e inútil. Tem razão na política, como diria o He-Man, quem tem a força.

Mas a discussão não acaba aqui. Ela mais é complexa, pois tentar convencer de que se tem razão ajuda a acumular força para, no final, ter razão. Daí os prolongados debates sobre legitimidade e outros substantivos vistosos e abstratos. Se consigo fazer acreditar que estou dentro das regras, mesmo estando fora, meu argumento adquire estatura moral. O que me dá um gás adicional para transgredir as normas fingindo respeitá-las.

Períodos excepcionais costumam acontecer na história brasileira, mas desta vez complicou um pouco: a atual excepcionalidade político-jurídica introduziu vetores novos, de informalidade e dispersão. Os militares foram mais inteligentes no tempo deles, talvez fruto do conhecido apego ao formalismo: quando queriam, ou precisavam, descumprir a Constituição, outorgavam uma nova ou produziam um ato institucional. Ou as duas coisas. E na última instância mandava um só.

Isso trazia uma bela vantagem: se alguém manda e o ato de exceção é formal, o líder mantém o poder de revogá-lo, e por isso controla o processo. Porque uma hora a excepcionalidade cansa e o poder precisa de saídas organizadas. Quando Raymundo Faoro pediu ao presidente Ernesto Geisel o restabelecimento do habeas corpus, essencial para proteger os presos políticos contra a tortura, o general teve como atender, bastou canetar numa folha de papel.

Claro que é uma simplificação. A coisa ali foi mais complicada que isso. Mas nada que se compare ao emaranhado de hoje. Uns querem tirar as castanhas do fogo com a mão de gato do Judiciário, pois se todas as opções estiverem disponíveis ao eleitor o resultado pode sair do controle. O outro lado quer resolver tudo no voto, deixando claro que a urna tem prevalência sobre a toga. O que a urna decidir está decidido. Posições inconciliáveis.

Isso explica também a impossibilidade, até o momento, de constituir um “centro” político no Brasil de 2018. Centro não é brincadeira de Carnaval em que o sujeito põe uma camiseta escrita "me beija: não sou de esquerda nem de direita”. Centrismo, necessariamente conjuntural, é oferecer alternativas para contemplar os dois lados do espectro. Por enquanto, não tem como fazer. Também porque não tem quem possa fazer. Olha a encrenca.

Uma solução seria todos combinarem que vão aceitar o resultado da eleição. Quem ganhar governa, e quem perder faz oposição no Congresso. Se você acredita que isso pode acontecer nas atuais circunstâncias, #ficaadica: procure antes pelo Monstro do Lago Ness, pelo Abominável Homem das Neves ou pelo E.T. de Varginha. Vc terá mais chance de sucesso.

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Publicado originalmente no www.poder360.com.br

segunda-feira, 26 de março de 2018

Naturalização da violência política é, até agora, o fato novo deste processo eleitoral. E o tempo não recua

Uma incógnita importante nesta eleição presidencial é a resistência que o deputado Jair Bolsonaro conseguirá opor ao movimento dos concorrentes no seu campo para lipoaspirar os votos dele, hoje cerca de um quinto do eleitorado. Há algum consenso de que a turma de Lula tem boas chances de colocar alguém na decisão, e daí sobraria apenas uma vaga.

As fragilidades de Bolsonaro vêm sendo bem descritas. Pouca estrutura partidária, pouco tempo de televisão, pouco dinheiro e muito radicalismo. As três primeiras continuam na mesma. Mas há uma mudança em curso na quarta, uma mudança cultural inédita: pela primeira vez desde a redemocratização, o radicalismo político de direita disputa a hegemonia.

Era algo que já acontecia com o radicalismo político da esquerda, e que agora se estende para o outro lado. Foi pedagógico acompanhar as reações à morte de Marielle Franco, reações na internet e fora dela. Apesar da extensa e intensa condenação da opinião pública, os bolsões da direita ficaram impermeáveis à comoção.

Como já analisado anteriormente, o brutal assassinato da vereadora do PSOL criou um ruído momentâneo entre o bolsonarismo e os movimentos autodefinidos como “de centro” (a partir daqui, por economia, vou dispensar as aspas). Mas a reação destes foi em boa medida protocolar, do tipo “precisamos dizer algo para podermos dizer que dissemos algo”.

Em outros tempos, seria um acontecimento disruptivo. Mas não está sendo. Um fato provoca disrupção quando quebra a coesão de pelo menos um campo político, e assim abre caminho para o realinhamento significativo de forças. Isso simplesmente não está acontecendo. Por uma razão central, entre outras: o Brasil vai pouco a pouco naturalizando a violência política.

Para a análise política no Brasil de 2018, não importa tanto olhar o aspecto civilizatório, ético ou moral. Interessa tentar entender o efeito eleitoral. O principal: Bolsonaro vai adquirindo uma taxa de “votabilidade” inexistente no início da corrida. Conforme o ambiente se radicaliza e a violência se naturaliza, o voto nele vai se tornando mais mainstream.

O candidato já havia tomado providências para acelerar essa “normalização”. A mais visível foi nomear seu porta-voz em economia um economista respeitado dos meios acadêmico-empresariais. Ganhou com isso um salvo-conduto parecido com o que Lula recebeu pela Carta aos Brasileiros em 2002. Paulo Guedes é para Bolsonaro o que Palocci foi para o petista.

Resta agora romper o isolamento político-ideológico. E ele vai sendo rompido conforme aumenta a rejeição do público, em todas as camadas, às formas democráticas de governo e também às garantias e direitos previstos na Constituição. Se as instituições são ilegítimas e os direitos servem de escudo aos bandidos, por que aceitar o monopólio da violência pelos governos?

É um cenário progressivamente complicado para o centro. Não impossível, mas complicado. Para capturar votos de Bolsonaro, precisará deslocar-se para a direita, mas com cuidado, pois lá na frente talvez precise fazer meia volta para decidir a eleição num eventual segundo turno contra a esquerda ou, numa hipótese menos provável, contra o próprio Bolsonaro.

Dois argumentos eleitorais fortes estão no cardápio contra as possibilidades de Bolsonaro: 1) ele não seria capaz de derrotar no segundo turno o PT ou alguém apoiado pelo PT e 2) ele não conseguiria governar, pela fragilidade da base política e o radicalismo das propostas, e visão de mundo. São dois bons argumentos, mas de outro tempo.

O primeiro argumento depende de surgir um candidato capaz de desempenhar melhor que ele nas pesquisas contra Lula ou alguém apoiado por Lula. É cedo para concluir, mas ainda não aconteceu. E dizer que Bolsonaro não tem apoio de políticos reforça hoje em dia um atributo. Mas o mais importante: a visão de mundo dele está em alta. Goste-se disso ou não.

Claro que tudo pode mudar a partir de uma bem azeitada campanha de opinião pública para “salvar o Brasil dos radicalismos”. Mas dar um cavalo-de-pau nesse transatlântico não será simples, nem trivial. Não será um passeio no parque. Também e especialmente porque o tempo é a única dimensão que não recua.

quarta-feira, 21 de março de 2018

É o fim de uma era para a esquerda

Quem viveu os (ou ouviu falar dos, ou leu sobre os) meados dos anos 1970 sabe das polêmicas que consumiam a esquerda brasileira naquele tempo. As iniciativas guerrilheiras vinham de ser todas derrotadas no terreno militar, e pouco a pouco os partidos, grupos e movimentos eram colocados diante da realidade dura: o único caminho que restara para alcançar objetivos políticos, ao menos os táticos, eram as eleições.

O PCB (Partido Comunista Brasileiro), que se reinventaria como PPS depois do colapso da União Soviética, já vinha na batida desde pelo menos 1967, quando em seu 6º Congresso definiu a linha de resistência política pacífica contra o regime militar. O PCdoB migrou depois da derrota no Araguaia. E os grupos mais influenciados pela Revolução Cubana concluíram a passagem quando o PT foi fundado, no início dos anos 1980.

Se a realidade havia resolvido a polêmica sobre via armada ou política, restavam pontos cruciais no debate. Os dois mais importantes: 1) a possibilidade de uma transição sem rupturas revolucionárias da democracia assim chamada “burguesa" para o socialismo e 2) a possibilidade de alianças táticas ou estratégicas com o empresariado nacional. Se é que havia mesmo um empresariado “nacional”. Esta era outra polêmica.

A história está muito distante de andar em linha reta, e aqui não foi diferente. Por razões que podem ser mais bem explicadas num texto específico, aconteceu no Brasil um fenômeno curioso: o PT, que vinha da tradição sindical-eclesiástica-insurrecional, foi absorvendo com o tempo a linha política dos partidos tradicionais da esquerda, enquanto estes se enfraqueciam (ou deixavam de ser fortalecer).

De um modo deformado, dirão os críticos, mas a seu modo, o petismo levou tão longe quanto pôde a política de frentes e a aposta num desenvolvimento capitalista de viés soberano, vocacionado até para um subimperialismo regional, vestido com as cores bonitas da integração, sul e latino-americana. Isso combinado com a disputa e ocupação progressiva dos instrumentos estatais. Mas o Estado "republicano" em que o PT tanto investiu virou a arma decisiva de seus algozes.

De um jeito todo particular, o PT explorou ao máximo a lógica que Antonio Gramsci produziu nos textos da prisão. Não dá para saber até que ponto o italiano achava mesmo que seu pensamento poderia transformar efetivamente o sistema, mas o PT foi o partido mais “gramsciano" que a esquerda brasileira fabricou neste quase um século desde a fundação do PCB, em 1922. É conhecido, por exemplo, o espanto do então metalúrgico Lula quando lhe perguntavam, por volta da fundação do PT, se o partido seria “tático" ou “estratégico”.

O colapso do atual projeto petista, desenvolvido principalmente nas últimas duas décadas, de amplas alianças e apostar num capitalismo soberano e inclusivo, produziu um vácuo na esquerda. Até porque o recuo não é só no Brasil, é regional. Argentina e Equador são outros exemplos. A sobrevivência do bolivarianismo venezuelano é uma incógnita. Tem agora em maio um desafio eleitoral complicado, mesmo com boa parte da oposição juridicamente fora de combate.

Os historiadores discutem se a explosão das duas bombas atômicas americanas sobre o Japão foi o último ato da Segunda Guerra Mundial ou o primeiro da Terceira. Por esse ângulo, como enxergar a candidatura, tão forte quanto inviável, de Lula à presidência? É uma última fresta de esperança de manter vivo o atual PT gramsciano? Ou o primeiro movimento de "superação das ilusões”? A derrota se deu por falta de gramscismo ou por excesso?

Se a esquerda sobrevive até em países socialmente bem mais justos, era uma ilusão algo boba acreditar que no Brasil, um paradigma mundial de desigualdade e todo tipo de injustiça, a Lava Jato destruiria Lula, o PT ou a esquerda. Estas forças estão isoladas, mas sobrevivem. E em algum momento voltarão. Pode ser até nestas eleições. Será interessante observar para que lado da história vai acontecer a superação do período que agora se fecha.

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Publicado originalmente no www.poder360.com.br

segunda-feira, 19 de março de 2018

Caso Marielle: Em eleições, o primeiro elemento decisivo é a capacidade de reunir a própria tropa.

A precondição de competitividade nas eleições, como em qualquer tipo de batalha, é o exército. Se não tiver outro jeito, recrutem-se mercenários. Mas isso não é o preferível. A tropa luta melhor quando pode exibir uma causa, quando está munida da -olha aí a palavra da moda- narrativa. Ainda que o objetivo último seja o butim, causas trazem o indispensável glamour.

Uma coisa é dizer que se apoia tal candidato porque ele vai arrumar um emprego, ou uma casa, ou uma cirurgia, ou um empréstimo camarada no BNDES. Outra coisa é dizer que o Brasil precisa ser salvo do PT, ou de Bolsonaro, ou dos populistas, ou dos fascistas, ou dos bolivarianos, ou dos racistas, ou dos gastadores, ou dos neoliberais. Essa lista é infinita.

Narrativa eleitoral precisa ter 1) fácil compreensão e 2) aderência à realidade, ser verossímil. O argumento que o militante vai desenvolver na mesa do bar a favor do candidato tem de ser simples de manejar e encaixar no conjunto de fatos. Vale aqui a velha máxima do debate: tudo o que precisa ser muito explicado não é bom.

Quando um acontecimento encaixa na narrativa, ele tem a capacidade de potencializar a rearrumação das forças. Algumas vezes decisivamente. A morte de João Pessoa ajudou a deflagrar a insurreição de 1930. Quando se conheceram melhor os detalhes do assassinato, a revolução política que levou Getúlio Vargas ao poder já era um fato.

O fuzilamento de Marielle Franco trouxe à narrativa da esquerda um ingrediente poderoso de verossimilhança, e isso terá efeito. A ideia de que Dilma Rousseff foi removida do poder fraudulentamente, por forças cujo objetivo é aprofundar as desigualdades e injustiças que marcam a sociedade brasileira, ganhou um ponto de agregação visível e facilmente compreensível.

Enquanto Marielle estava viva, a batalha das narrativas vinha algo equilibrada. Segundo a direita, o impeachment de Dilma foi constitucional e tirou do Planalto um governo que afundou a economia e quebrou a Petrobras. E as reformas agora estão ajudando a recuperar os empregos, e precisam continuar com o novo presidente a partir de 1o. de janeiro de 2019.

Já para a esquerda, foi um golpe antinacional e antipopular, que instalou ilegalmente um governo programado para entregar nossas riquezas ao imperialismo e reverter a ascensão social dos pobres. E a intervenção federal na segurança do Rio é uma face desse componente demofóbico, bem exibido na ideia de que mais repressão é a melhor receita contra o crime.

Enquanto o jogo de narrativas estava parelho, vinha também equilibrada a coesão ideológica de ambos os campos. A morte de Marielle mudou essa conta. A direita não bolsonarista agora procura mais distância do líder nas pesquisas sem Lula. E a brutalidade do assassinato da vereadora deu cores vivas à explicação de mundo que vem dos porta-vozes da esquerda.

Hoje está mais fácil a esquerda ser ouvida com atenção na mesa do boteco. Isso não é pouco. Se, ou quando, Lula for preso, um partidário terá mais plateia para explicar que ele não está condenado por causa da corrupção, pois todos os acusados de partidos da direita estão soltos, mas por ter governado para os pobres. "Viu o que aconteceu com a Marielle?”

É mais provável que as eleições presidenciais sejam decididas no segundo turno. Dois fatores serão fundamentais, e estão interligados: 1) a capacidade de levar seu eleitor para votar e 2) a capacidade de construir uma narrativa eficaz para demonizar o outro lado. A centralidade do tema da corrupção facilitava a vida da direita. Agora a coisa se complicou.

Inclusive pelas circunstâncias do jornalismo. Abrir espaço para causas de minorias ou maiorias socialmente massacradas tem sido válvula de escape para neutralizar acusações de reacionarismo. Isso acabou reforçando um jornalismo de causas e narrativas, marcado pelo efeito-manada. Mas quando a onda vira, quem até ontem ria passa a não achar tanta graça assim.

Então o jogo está jogado? Não. Melhor é ter cautela. Uma característica do efeito-manada, como naqueles filmes de faroeste com búfalos, é que a correria pode inesperadamente mudar a direção. E fazer vítimas entre quem desencadeou a coisa. O equilíbrio político no Brasil é instável. E as eleições ainda estão longe. Mas que a esquerda ganhou um fôlego, isso é inegável.

terça-feira, 13 de março de 2018

“Fake news” é fake news

Acontecerá no debate sobre as “fake news” o mesmo da polêmica dos transgênicos. Aos poucos, o assunto deixará as manchetes e escorregará para a irrelevância. Com o tempo, ficará evidente que, assim como no caso dos organismos geneticamente modificados (OGM), as “fake news” são menos uma ameaça real à saúde da democracia e mais uma desculpa para impulsionar certas agendas políticas e comerciais.

“O risco dos transgênicos” resiste nos bolsões de obscurantismo acadêmico e de corporativismo burocrático, mas deixou de ser notícia. Por um motivo singelo: após décadas de dramáticos alertas sobre os gravíssimos riscos corridos pelos consumidores de comida geneticamente modificada, não se conhece nenhum caso real de dano à saúde. No Brasil, a soja transgênica é o exemplo mais impactante. Se ela não fosse saudável, seríamos um povo à beira de extinção.

Era esperado que o debate dos OGM acabasse assim. A engenharia genética apenas faz mais sistemática e rapidamente as mutações que a natureza já produz sozinha desde o surgimento da vida na Terra. E, na digestão, as moléculas naturais e artificiais são igualmente quebradas. E já que os componentes são os mesmos, acaba não havendo diferença entre comer a comida produzida por D’us ou pelo homem.

A mentira existe desde que o ser humano passou a se comunicar. Com a internet, ela se propaga mais rapidamente. Mas não há nenhum fato, número ou evidência de que mentir na era da internet tenha ampliado os efeitos do ato de mentir. Há opiniões, palpites, certezas subjetivas politicamente interessadas. Há uma histeria artificial sobre o tema. Assim como no caso dos transgênicos, prova não há nenhuma.

Vamos recapitular. Donald Trump derrotou Hillary Clinton no colégio eleitoral, contrariando 99,99% das previsões. Sabido o resultado, ainda houve algumas tentativas jornalísticas de entender o acontecido. Rapidamente porém esse ensaio foi substituído pela narrativa que a Casa Branca democrata pôs a circular: de que a vitória trumpista fora resultado de uma conspiração com os russos. Entre outras coisas, com os amigos de Putin espalhando notícias falsas pela rede.

Só podia ser verdade. Afinal, não era possível os jornalistas e analistas sabichões terem se enganado tão estupidamente. Daí a refugiarem-se todos na zona de conforto foi um passo. E essa passou a ser a verdade oficial. Ou a mentira oficial. Que no ranking de fake news produzidas pela Casa Branca neste século só é páreo, até agora, para as armas de destruição em massa de Saddam Hussein. Em tempo de guerra, mentira como terra, diz o velho ditado.

Na era das “narrativas”, não custa nada raciocinar de vez em quando. Os gastos com propaganda nas eleições americanas andam sempre na casa dos muitos bilhões de dólares. Se fosse possível convencer o eleitor americano flutuante, e decidir a eleição de presidente dos EUA, gastando apenas alguns milhares de dólares no Facebook, as ações da empresa de Mark Zuckerberg valeriam provavelmente bem mais que a soma de todos os outros papéis da Nasdaq.

O próprio Trump deu um gás na bobajada quando carimbou “fake news” na testa da CNN, e, depois, do resto dos veículos que lhe fazem oposição. E a expressão colou. Aí entrou em cena mais uma esperteza. A imprensa profissional viu a janela de oportunidade para vender a tese de que, num planeta gravemente ameaçado pela difusão de notícias falsas, só o jornalismo profissional merece a atenção de quem busca informação confiável.

Ninguém nunca perdeu dinheiro superestimando a ingenuidade alheia, a estratégia comercial é legítima, e acredita nessa fantasia quem quiser, mas talvez a imprensa esteja atirando no próprio pé. Pois o combate à “grave ameaça das fake news” tem tudo para tornar-se uma ofensiva de censura e restrição da liberdade de expressão. Quando se chama a polícia para reprimir a mentira, ou a suposta mentira, o resultado nunca é bom.

Um dia esse assunto simplesmente desaparecerá, mas o problema são as vítimas que deixará pelo caminho. Na boa, é mais negócio defender o direito de todos mentirem quanto quiserem. Se for esse o preço a pagar pela liberdade, é um preço barato. Até porque, convenhamos, sempre que alguém está muito preocupado em proibir a mentira alheia, é bom verificar se o dito cujo não quer mesmo é a prerrogativa de mentir sozinho.

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Publicado originalmente no www.poder360.com.br

segunda-feira, 12 de março de 2018

Maior problema do sonho centrista é ele não interessar hoje nem à esquerda nem à direita, os atores de fato

Políticos-candidatos em busca de musculatura buscam distanciar-se de hipotéticos extremismos, e assim preencher espaços eleitorais teoricamente “de centro". A presença forte de Bolsonaro e a estigmatização do PT oferecem a oportunidade de ocupar um locus narrativo de equilíbrio, pacificação, diálogo, de busca de consensos para desatar nós, agudos e crônicos.

Na teoria, é uma comunicação lógica. O eleitor médio não quer saber de confusão. Quer emprego, salário, segurança, boa escola para os filhos e um sistema eficiente de saúde pública. Coisas teoricamente mais acessíveis se o país não estiver mergulhado numa guerra fratricida e sem quartel entre facções cuja única esperança de sobrevivência é a eliminação do inimigo.

O problema, sempre eles, são os fatos. Vamos recapitular. O PT estava bem adaptado aos mecanismos brasileiros clássicos de produção e reprodução do poder. Quando o partido se enfraqueceu criticamente e os adversários decidiram que era conveniente aproveitar a janela de oportunidade extra-agenda, precisaram, para removê-lo, implodir todo o edifício institucional.

O “centro” eleitoral para 2018 nada mais é que a esperança de reverter esse omelete para ovo cru. Não deixa de ser uma ideia, pois pelo jeito o omelete deu uma desandada. O cansaço com a confusão é perceptível. Mas existem obstáculos. O principal deles: ninguém descobriu ainda como fazer o ovo cozido ou frito voltar ao estado em que saiu da galinha.

A política brasileira faz lembrar passados recentes. A esquerda parece estar na segunda metade dos anos 60 do século passado. A ofensiva adversária é mortal, mas ela prefere ver no desastre anunciado uma oportunidade de disputa de hegemonia. A direita está nos anos 70. Sonha com um país politicamente pacificado, mas com o caminho do poder fechado aos adversários.

Centro político é algo imaterial. Esquerda e direita chegam a soluções intermediárias, necessariamente temporárias, quando há um interesse objetivo comum e a opção de simplesmente eliminar o oposto se mostra inexequível. O exemplo mais recente entre nós foi a transição negociada de 1984/85, que produziu três décadas de relativa paz antes de agora colapsar.

Há na direita hoje qualquer interesse de buscar um pacto de pacificação com o PT? Não, pois implicaria aceitar que o PT possa disputar o poder em condições de igualdade. Sem isso, a pacificação tampouco interessa ao partido de Lula, que tem hegemonia absoluta na esquerda real e uma narrativa capaz de manter reunido seu mercado eleitoral.

Daí que todas as tentativas de anabolizar um “centro” tenham falhado, ou estejam patinando. Falta espaço material para essa construção. A hora ainda é dos ulysses, não chegou o momento dos tancredos. Se é que vai chegar. A direita está apavorada com a resiliência de Lula e a esquerda está inclinada a achar que acreditou demais na democracia burguesa.

Acenos centristas são vistos à direita como ilusões de kerenskys, e à esquerda como patetices de gorbatchevs. Esses ensaios ou são apenas farsescos, lobos-maus vestidos de vovozinha para abocanhar a chapeuzinho vermelho, ou são movimentos sinceros mas desprovidos de significado real. Mesmo se vitoriosos, seriam abduzidos por um dos polos da disputa de fato.

Abdução já visível nas estruturas tradicionais que ao longo destas três décadas representaram, em maior ou menor grau, essa visão de um “centro democrático”. Alckmin talvez seja um dos últimos moicanos. Será o candidato, mas montado numa estrutura que nada mais tem a ver com a antiga ambição social-democrata do PSDB. Basta olhar quem vem atrás dele na fila.

Já no PT, que depende mais de Lula do que os outros dependem de seus líderes, mesmo Lula não tem mais a mesma liberdade de voo. O partido acabará fazendo o que o ex-presidente mandar, mas a inquietação é perceptível. Há sempre um custo para o líder quando as escolhas dele conduzem a armadilhas. Ainda mais quando ele não sabe bem como sair delas.

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Há outro complicador. Na política, acordos são obrigatoriamente políticos. Reconhece-se a legitimidade alheia e reparte-se poder. Mas toda a pressão da opinião pública stricto sensu é para deslegitimar as duas coisas. Bonito agora é governar com viés absolutista esclarecido. Sendo que o “esclarecido” significa seguir bovinamente essa mesma opinião pública.

quarta-feira, 7 de março de 2018

Uma eleição sem spoilers

A coisa está mais para Walking Dead do que para House of Cards

A conjuntura mostra uma aparente assincronia entre os movimentos da política e do eleitorado. Os atores produzem fatos e factoides em ritmo 24x7x365, para ocupar o noticiário e manter o alvoroço de uma opinião pública que beira a dependência química.

Por enquanto, o eleitor parece não estar nem aí. Não há movimentação substancial nas pesquisas de intenção de voto, como mostrou a CNT. Não tem gente na rua. E a Lava-Jato vai deixando de ser tema da mesa do bar.

Pelo jeito, o cidadão/eleitor decidiu dar um tempo. É esperado que volte a prestar atenção nesse "Show de Truman" quando estiver chegando a hora de votar. Até lá, os candidatos e os profissionais da eleição têm um hiato para construir narrativas. E matéria-prima não vai faltar.

A federação de pequenos (ou não tão pequenos) déspotas em que o Brasil se transformou é uma usina de alta produtividade. Tem notícia toda hora, e para todos os gostos e lados.

Um elemento-chave da vitória do PT nas quatro últimas eleições foi a dificuldade de os adversários construírem narrativas com começo, meio e fim. Em 2014, ensaiou-se algo diferente, mas o ensaio acabou soterrado com rara competência. Também, mas não só, pela brutal disparidade de forças a favor do petismo. Foi o canto do cisne.

Este ano haverá disputa real entre dois discursos, com outros menos cotados lutando para conseguir uma beirada de atenção.

Teremos finalmente candidatos de direita. Defenderão o capitalismo na economia, o conservadorismo moral e muita dureza contra o crime. Parece que já encantam pelo menos uns 25% do eleitorado. É provável que seja mais.

Se o PSDB mantiver algo de seu tradicional discurso social-liberal, talvez essa aritmética possa ser lida na urna com alguma clareza. É a esperança dos analistas e politólogos mais preocupados em entender que em influir.

Na esquerda, o discurso básico também está pronto. Será o de sempre. A humanização do capitalismo, a proteção do país contra outras ambições imperiais, o protagonismo das lutas identitárias, e políticas públicas para alternativas ao mercado do crime.

Isso tem o apoio de cerca de um terço do eleitorado, autodefinido progressista, em oposição ao dito regressista. O PT quer manter a parte do leão desses votos, mesmo sem Lula. Mas outros se apresentam.

Claro que tudo deverá estar embalado para consumo de massa, com a ajuda das cores vibrantes proporcionadas pela Lava Jato, pela recessão, pelo impeachment, pela crise venezuelana, pela intervenção no Rio etc.

Espera-se também a entrada em cena dos vários matizes do autodeclarado centrismo, à esquerda e à direita. Que buscarão fazer cada um a sua colagem, escolhendo em cada gôndola o que mais convém. E terão o trunfo do apelo contra o radicalismo.

Há algumas variáveis críticas a monitorar daqui até outubro. Em que proporção o eleitor cansado da política escolherá um candidato, ou decidirá protestar não votando em ninguém? Em que medida um impedido Lula transferirá votos? O PSDB e o governo/MDB vão se juntar? Se sim, quando? Lipoaspirar Bolsonaro vai ser fácil ou difícil? Como estará a economia na hora da definição do voto? Quem mais, além de Lula, será impedido de concorrer?

Lamento pelos ansiosos.

Se nunca é cedo demais para chutar, ainda é muito cedo para ter as respostas. Você tem paciência para ver séries? Curte apreciar cada episódio, ou assiste direto o último? Encare dessa maneira e o ano será mais leve e divertido. Até porque os episódios desta eleição não estão ainda todos disponíveis na rede. Vai ser semana a semana. Mais para The Walking Dead do que para House of Cards. Inclusive na história e nos personagens.

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Publicado originalmente no www.poder360.com.br

segunda-feira, 5 de março de 2018

A intervenção na segurança do Rio já é um sucesso de comunicação. Vamos aguardar os reflexos na política.

É pueril criticar governos que governam criando fatos comunicacionais. Governar é decidir e saber comunicar a decisão. Há poucas coisas mais ingênuas, ou espertalhonas, que dizer “o governante deve ser um gestor”. Trata-se de uma tautologia, pois gerir é liderar e comunicar. E voltamos à ideia-matriz deste parágrafo introdutório.

Depois disso, que no jornalismo é chamado nariz-de-cera, vamos ao que interessa: a intervenção federal na segurança pública do Rio de Janeiro já é um sucesso de comunicação político-governamental. Não sei se a avaliação de Michel Temer deixou o fundo do poço, mas o ambiente sofreu uma mudança sensível. Pelo menos o ambiente jornalístico em torno do governo.

Recapitulando. Quando interveio no Rio, Temer estava na véspera de perder a votação da reforma da previdência. A certeza dessa derrota nasce de um fato: por que o governo não esperou alguns dias para decretar a intervenção? A tal “situação crítica” não era nem mais nem menos crítica que o habitual. Não havia nenhum “caos” inédito na rua. Talvez no noticiário. A tal comunicação.

Derrotado na previdência, ou se ela deixasse de ser votada por falta de votos, o governo entraria numa dinâmica ruim. Os analistas econômicos anunciariam o fim dos tempos, a oposição celebraria uma vitória, o noticiário seria tomado pela eleição e os atuais donos do Palácio do Planalto e da Esplanada dos Ministérios ver-se-iam às voltas com o clássico cafezinho frio.

A jogada de mestre (sem aspas, foi de mestre mesmo) mudou o cenário. Governantes que pareciam destinados ao ostracismo jornalístico passaram a ser novamente assediados em busca de lides e manchetes. Veio a profusão de entrevistas e a produção em massa de coisas noticiáveis. Generais sentiram-se autorizados a exigir coletivas só com perguntas escritas.

Os custos humanos vão sendo empurrados para fora do notíciário.

E o mercado não parece estar nem aí pela previdência não ter ido a voto.

Há críticas, é claro. Constituiu-se uma oposição ideológica à intervenção, pela esquerda e pela direita. Essa resistência dará frutos no médio e longo prazos, quando vier o cansaço com a coisa e se verificar que ela não deu resultados espetaculares. O cálculo das Forças Armadas é estar fora dali quando tal momento chegar. O do governo, é a eleição já ter passado.

No curto prazo a coisa está funcionando. O céu pode ainda não ser de brigadeiro, mas ficou algo azul. O objetivo imediato de comunicação foi atingido, com a volta do “tem que dar certo” do Plano Cruzado. A intervenção no Rio ajudará o governo a sobreviver até dezembro e a aumentar sua influência no processo eleitoral. Do ângulo do poder, é uma conquista.

Mesmo as eventuais complicações neste início poderão ser explicadas pelo remédio não ter sido dado em maior dose. Pela falta, por exemplo, dos mandados coletivos de busca e apreensão. Ou por os soldados não poderem atirar em qualquer um que esteja indevidamente armado. O tratamento preconizado a combatentes inimigos numa guerra.

Outra coisa pueril em política é subestimar governos. Mesmo em estado terminal, eles têm poder de fogo, e às vezes é letal. Sarney estava politicamente desenganado em 1989, aí inventou a candidatura de Silvio Santos, articulada pelos aliados Edison Lobão, Marcondes Gadelha e Hugo Napoleão. Se a Justiça não tivesse bloqueado, tinha bagunçado bem a eleição.

O objetivo político-comunicacional imediato da intervenção no Rio foi atingido. Ao mostrar iniciativa num tema muito sensível ao eleitor, e mais sensível ainda ao eleitor mais pobre, Temer recolocou-se no jogo. O ridículo da Tuiuti já é história. Se vai ser candidato, se vai lançar outro nome pelo MDB ou se vai emplacar o vice numa chapa mais forte, são detalhes. Os fatos dirão.

As pesquisas imediatas podem até ser algo decepcionantes, mas isso não deve iludir. Privatização e austeridade fiscal não são populares, mas a caça aos bandidos é. Temer deu um gás à narrativa da direita para este processo eleitoral, e subestimar será um erro. É visível, aliás, que a esquerda ainda não encontrou uma resposta adequada ao novo cenário.

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Da entrevista de Lula à Folha de S.Paulo deduz-se que o PT terá ou apoiará um candidato, e que estará aberto ao diálogo com os que eram seus aliados e hoje são aliados de Temer. Há porém um problema: pela primeira vez desde 1998, o PT está isolado. E quase sem máquina. Em 1989 tinha a prefeitura de São Paulo, e em 2002 também. Sem falar de 2006, 2010 e 2014.

quarta-feira, 28 de fevereiro de 2018

As instituições não estão funcionando

“As instituições estão funcionando” é a platitude do momento. Num aspecto, é obrigatório reconhecer que elas funcionam bastante bem: nosso sistema de freios e contrapesos anda tão azeitado que o mecanismo travou. Em cada ação possível, há travas suficientes para impedir que qualquer coisa aconteça. O sistema político-institucional parece uma moto, ou um carro, sobre cavaletes e de motor ligado: queima combustível e não sai do lugar.

Mas nem tudo está perdido. As eleições vêm aí e teremos novos governantes em janeiro. É a boa notícia. E a má? Bem, o sistema brasileiro de freios e contrapesos produziu uma anomalia: quem é eleito não manda, e quem manda não é eleito. As intenções dos constituintes foram as melhores, mas o produto do trabalho deles acabou não sendo bom: na ânsia de enfraquecer o poder, erraram na dose e criaram uma engrenagem vocacionada à ingovernabilidade.

Só o papel não seria, porém, capaz sozinho de produzir o desastre. O definhamento da democracia brasileira é obra de múltiplas mãos desde o colapso das “Diretas já”, que obrigou a uma transição negociada, para a qual muitos torceram o nariz. Abriu-se então o longo período de apedrejamento que hoje colhe seus frutos mais carnudos. Três décadas de ataques à política, pela esquerda e pela direita, escancararam as portas do inferno para os salvadores da pátria.

Os políticos ajudaram bastante. Principalmente quando consolidaram um sistema rentável e imune à renovação e à alternância. E a coisa foi piorando a cada “aperfeiçoamento” exigido pela “opinião pública”. O resultado é uma política monopolizada por cartórios fossilizados. É impossível disputar com chances o comando desses cartórios. E eventuais desafiantes do establishment político precisam antes de tudo ter um cartório para chamar de seu.

Entre os fatores na raiz dos nossos impasses, um merece destaque especial. O descolamento entre os graus de liberdade e de democracia. Uma não se confunde com a outra. A saúde de uma democracia mede-se também por quanto a vontade da maioria influi na execução governamental e na produção congressual. E é bem possível conviverem por um tempo altas taxas de liberdade e graus apenas relativos de democracia.

O Brasil está meio assim. Convertido numa federação de déspotas supostamente esclarecidos e bem protegidos do voto. Por serem portadores da verdade e do bem, acumulam o poder de impor sua vontade de modo absoluto. Estão espalhados por todos os lugares, e não apenas na burocracia estatal. Legislam, julgam e executam de acordo apenas com o que decidiram ser o melhor para nós. São os mini-sovietes de si mesmos, mas para todos. O que isso tem a ver com democracia?

Toda obra política precisa de uma narrativa legitimadora. Gramsci explicou que sem algum consenso não há coação que dê conta. E a narrativa-candidata é, surpresa!, a “crítica ao populismo”. O “governo ideal” é o capaz de agir independente da, ou mesmo contra a, vontade popular. “Aproveite a impopularidade e faça o que tem de ser feito, presidente”. E se a esmagadora maioria for contra? “A situação é grave. Não é hora de ceder ao populismo.“

Há duas críticas do “populismo”. A primeira, mais elegante, usa a expressão para caracterizar um sistema totalizante. “Democracia não é só voto, é alternância. Se se bloqueiam todos os canais de alternância, accountability, pressão etc., a democracia degringola. E o populismo tende a fazer justamente isso.” Essa é a teoria. Na vida real, o termo é usado para carimbar políticos que governam de olho não no que é “certo e racional”, mas na popularidade.

E tudo estaria bem organizado a partir da “crítica ao populismo”, não fosse o probleminha incômodo: as eleições. Elas introduzem o desconforto de ter de convencer o eleitor. E se o eleitor não se convencer? Bem, então será o caso de fazer, mesmo que ele não esteja convencido. Para que servem então as eleições? Pergunta complicada. Talvez seja hora de chamar os especialistas em teorias igualmente complicadas sobre a “crise da democracia representativa”.

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Publicado originalmente no www.poder360.com.br

segunda-feira, 26 de fevereiro de 2018

O estado das variáveis-chave neste momento da corrida pela sucessão presidencial

O candidato do PT. Lula, a não ser que os tribunais superiores recusem uma liminar que o deixe concorrer. O que vai acontecer depende de com quem cair a coisa, e se o (in)felizardo terá coragem para decidir de um jeito ou de outro. Se Lula não puder disputar, o PT tende a substituir por um petista e Jaques Wagner é o mais provável. Mas Ciro Gomes corre por fora.

Se Lula for eliminado da corrida a menos de 20 dias da eleição, o PT não pode mais substituir: ou apoia alguém de fora ou boicota. Se houver uma ação eficaz de transferência, Lula repassa pelo menos 80% da intenção de voto, o que levará o apoiado ao segundo turno. Como sempre, o desafio mora nos detalhes. Executar isso não será simples. Mas é bem possível.

A resiliência de Bolsonaro. O senso comum diz que Bolsonaro vai emagrecer por falta de dinheiro, tempo de TV e apoios. Vale porém acompanhar melhor. O eleitorado dele é bastante coeso ideologicamente e parece pouco influenciável pelos canais tradicionais de difusão de informação. E ele está fechando o flanco do “despreparo” na economia. Bom ficar de olho.

Se Bolsonaro for lipoaspirado por uma ação combinada do governo, dos partidos habituais da direita (ou de seu genérico, o "centro") e da imprensa, o establishment precisará evitar um efeito centrífugo. Impedir que uma parte migre direto para a esquerda e outra refugie-se no não voto, no branco e no nulo. Se Lula for impedido, este será um problema também para o PT.

Os arrufos entre o governo e o PSDB. O PMDB foi linha auxiliar e coadjuvante dos tucanos durante os oito anos de FHC e dos petistas nos quase 14 anos de Lula e Dilma. Agora tem a caneta e não vai entregar sem luta. Temer espera que a intervenção no Rio rompa a inércia negativa. Se não, tem a opção de buscar um nome leve. Subestimar o governo é sempre um risco.

Já para Alckmin as coisas têm melhorado. Huck correu ao primeiro rugido do leão, Dória queimou a largada e foi punido no grid, Arthur Virgílio retirou-se atirando balas de festim. O tal espaço para um “centro” que salve o país da suposta ameaça do radicalismo vai caindo no colo do governador. O desafio dele é empolgar o eleitor com um discurso centrista. Não é trivial.

O cenário ideal para Alckmin é o cansaço com a bagunça nacional superar o cansaço com os políticos e, em outubro, o eleitor decidir escolher alguém rodado, para tentar acabar com a confusão crônica. A, até agora, anemia do “novo” ajuda o governador. Aliás, uma característica desta pré-eleição é o sistemático envelhecimento precoce do “novo" não bolsonarista.

A coesão ou a dispersão do “centro”, e o efeito-Freixo. Se PMDB e PSDB racharem o “centro", a aritmética se complica. Se o candidato do governo, Alckmin e Marina consolidarem, cada um, em torno de 10%, e se Álvaro Dias pelo menos mantiver os 3 ou 4%, pode acontecer o efeito caranguejo no balaio. Toda vez que alguém tentar subir, os demais vão puxar para baixo.

Na eleição do Rio em 2016 era provável que Pedro Paulo, Osório ou Índio fossem para o segundo turno. Aí o voto centrista dividiu-se bem entre os três, e quem passou à decisão foi Freixo. O candidato a “Freixo” agora é Bolsonaro. Diz a lógica que o estoque de votos centristas uma hora vai convergir. Mas política não é geração espontânea. Precisa de execução.

Uma centelha pode incendiar a pradaria. A melhora (ou a não piora) da situação econômica favorece algum equilíbrio político, mas este é instável. É provável que o apedrejamento maciço e sistemático da representação política e a louvação dos salvadores da pátria continuem na campanha. E uma centelha pode incendiar essa pradaria seca.

O que seria? Um “novo” atropelar do nada e arrastar a maioria do atual estoque de brancos/nulos/não sei/não vou votar? A reação popular, não nas ruas mas na urna, à cassação da candidatura de Lula? Uma onda antipetista que junte a direita, o “centro” e o não voto, para impedir a volta do PT ao poder? Nesta eleição, convém aumentar a atenção sobre o imprevisível.

O problema é que, como já dito aqui algumas vezes, o imprevisível costuma ser muito difícil de prever.

quarta-feira, 21 de fevereiro de 2018

Ação no Rio e Huck: a guerra é pelo voto do pobre

O PT ganhou as três primeiras eleições presidenciais pelo mesmo placar: arredondando, 60% a 40%. 2014 foi mais apertado, porque no segundo turno a terceira via descarregou em parte no adversário do PT. As três primeiras tiveram resultados bem parecidos, mas as semelhanças escondem diferenças essenciais que ajudam a entender acontecimentos de agora. Como o canto da sereia para Luciano Huck e a intervenção no Rio.

Fernando Henrique bateu duas vezes Lula com boa ajuda dos pobres e do Nordeste. O Plano Real, como o Cruzado de Sarney, provou-se investimento de alto retorno eleitoral. Mesmo em 2002, quando o PT finalmente chegou ao Planalto, parte grande desse estoque foi para o candidato do PSDB. Lula ganhou com forte apoio das camadas médias nos grandes centros urbanos. O PT era então o partido diferente dos outros.

A crise desencadeada pelas acusações/revelações do deputado Roberto Jefferson em 2005 ajudou a operar uma mudança fundamental na coalizão social do assim chamado lulismo. Saíram os grupos do meio da pirâmide antes atraídos pela promessa de “ética”. Entraram os contingentes beneficiados pelo emprego, pelo aumento do salário mínimo e também pelos programas sociais. Tal troca já foi bem estudada e analisada pelos especialistas.

Desde 2006, é essa a aliança social que sustenta as vitórias eleitorais do PT e da esquerda aliada. E, segundo as pesquisas, é o pilar fundamental da resiliência atual de Lula. E da sua capacidade teórica para alavancar outro nome na disputa presidencial. É só olhar os números: se nada for feito, esse estoque de apoio popular levará um candidato da esquerda ao segundo turno, onde ele será competitivo. Nas circunstâncias, seria um feito e tanto.

A conclusão é óbvia. Não bastará a um candidato da direita (ou de seu genérico, o “centro”) recolher os votos do antipetismo. Não foi suficiente antes e não será agora. Ou ela entra firme nos pobres e no Nordeste, ou a situação eleitoral será de risco. De novo, é só olhar os números. Lula não estará na cédula eletrônica, mas confiar cegamente nisso é complicado. Vai que, como em 2010, o eleitorado lulista decide dar mais um voto de confiança ao líder…

Daí a caça a um candidato ou a uma política pública que sensibilizem o pobre e o Nordeste, onde tem mais pobre que a média nacional. O candidato era Luciano Huck, o comunicador de biografia supostamente generosa para os “mais humildes”. Não deu certo. Jamais saberemos se funcionaria. Agora temos a intervenção federal na segurança do Rio. É inteligente, também na teoria. Será que vai funcionar? A resposta, é claro, estará na execução. Como costuma ser.

Adaptando Joãosinho Trinta, quem gosta de discurso sobre como melhorar a segurança pública é intelectual. Pobre gosta mesmo é de segurança pública. É ele quem mais sofre com a falta dela. Esse é um flanco que a esquerda tem imensa dificuldade para fechar, também por cegueira ideológica. A esquerda não deve porém se desesperar. Considerando-se a perícia necessária e a complexidade da operação proposta, a chance de flopar é real.

Sempre há, entretanto, o risco de confiar demais na incompetência alheia. Mas viver é correr riscos.

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Publicado originalmente no www.poder360.com.br

segunda-feira, 19 de fevereiro de 2018

A mega UPP de Temer no Rio e seus efeitos no que interessa na política: a disputa eleitoral

É zero a probabilidade de a intervenção federal na segurança pública do Rio de Janeiro produzir uma solução estrutural e aplicável aos demais estados. Na prática, trata-se de uma mega UPP, a ocupação do território por forças da ordem ainda prestigiadas (as Forças Armadas) para pacificar uma situação de conflito que produz desgaste para as autoridades.

Mas não se deve subestimar o efeito político positivo de uma momentânea descompressão. Será inteligente por parte do crime organizado um recuo, recomendado quando na guerra assimétrica a correlação de forças é decisivamente desfavorável. Uma maneira de produzir paz é exibir músculos suficientes para provocar o esperado efeito-dissuasão. Está nos manuais.

Além disso, as autoridades não precisam de estratégias que perdurem para todo o sempre, precisam apenas de algo que reduza a turbulência daqui até a eleição. A intervenção na segurança do Rio é uma espécie de "Plano Cruzado" da segurança. Se mudar algo para melhor no curto e no médio prazos, terá cumprido os objetivos. As primeiras coisas primeiro, diz o ditado.

Mas talvez o aspecto mais interessante da iniciativa seja a mudança de ambiente para as narrativas. Se a inabilitação eleitoral (só) de Lula mais o baixo crescimento da economia mais a reforma da previdência mais a impopularidade presidencial vinham sendo um meio quase ideal para a esquerda, a inoculação da segurança no centro da pauta dá um gás e tanto para a direita.

Todas as pesquisas mostram que a maioria do eleitorado concorda com a esquerda nos assuntos da economia, do tamanho do estado e na maneira de buscar a melhora dos serviços públicos. E a maioria do eleitorado concorda com a direita nos temas do enfrentamento da criminalidade e das políticas de segurança pública, e nas medidas para proteger o cidadão comum contra os bandidos.

Até porque é histórica a incapacidade de a esquerda enfrentar o debate da segurança. A tese "mais justiça social significa automaticamente menos crime" não resiste à realidade. Nos governos do PT o Nordeste cresceu e distribuiu renda como nunca. E nos governos do PT a criminalidade no Nordeste cresceu como nunca, com exceções que apenas confirmam a regra.

Eis por que a intervenção no Rio seja possivelmente a primeira chacoalhada num cenário antes coagulado. Lula e a esquerda vinham defendendo bem seu mercado eleitoral colocando no centro da agenda temas em que a população pende para a esquerda. Mas como a esquerda e o PT atravessariam uma campanha eleitoral em que a segurança pública estivesse no foco?

É previsível que a oposição denuncie a incapacidade de essas medidas enfrentarem e resolverem estruturalmente os desafios na segurança. Mas essa é uma colheita para o futuro. Se esse futuro chegar antes da eleição, por a intervenção ter falhado redondamente, o cenário será um. Se, assim como no Cruzado, a coisa sobreviver até a urna, o cenário será outro.

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As Forças Armadas acabam de ser convidadas para uma dança que não desejavam mas não têm como recusar. É emblemático que o general responsável pela intervenção no Rio vá se reportar diretamente ao presidente da República. A esta altura os fardados devem estar quebrando a cabeça em busca de uma estratégia de saída.

Militar não entra na guerra sem alguma ideia de como sair dela. A vitória total, com a eliminação do crime dentro das fronteiras do Rio, é uma impossibilidade. Por isso, o desejável será conseguir sair em ordem em algum momento e devolver o abacaxi ao poder civil. A eleição, num cenário otimista, pode facilitar por trazer um novo personagem, zerado.

Até porque, convenhamos, criar um ambiente em que as Forças Armadas possam lá na frente recuar em ordem interessa a todos os atores que contam no teatro de operações. Todos sem exceção.

quarta-feira, 7 de fevereiro de 2018

2018 não é nem de longe igual a 1989

A fotografia da corrida eleitoral mostra uma pulverização inédita nas últimas três décadas. Há seis eleições PT e PSDB fazem a final, no primeiro ou no segundo turno. Agora, parece que vamos chegar a outubro com múltiplas opções, quase uma loteria. O que poderia, quem sabe?, fazer a decisão desvestir o figurino esquerda x direita e abrir as portas para algo diferente. Mas em que condições isso poderia acontecer?

A premissa básica para o fracasso da esquerda ou da direita clássicas, ou de ambas, na disputa pela presidência será a falha na construção e consolidação de seu respectivo campo de alianças. Isso pode soar convencional, mas a experiência prática com os outsiders, aqui e lá fora, mostra que não basta um ambiente de rejeição à política. É preciso também que a política esteja desorganizada. Onde isso não acontece, as novidades brilham mas não chegam.

Os políticos sabem disso, então a atual dança de múltiplos candidatos deve ser vista com alguma cautela. Do assim chamado centro para a direita, por exemplo, temos Bolsonaro, Alckmin, Alvaro Dias, Rodrigo Maia, Meirelles, eventualmente Temer, Amoêdo. Na esquerda, temos Ciro Gomes, Jaques Wagner ou outro indicado por Lula, Manuela D’Ávila, Boulos. Sem falar de Marina, cujo eleitorado se divide entre os 2 campos, numa proporção ainda incógnita.

É possível que a corrida chegue assim fragmentada na urna? Sempre é, mas talvez seja algo precipitado afirmar que vamos repetir 1989. O ambiente de agora é parecido com aquele no aspecto da pulverização, mas só. No resto, é tudo diferente. A começar pela ausência do bonito consenso democrático da festa na primeira eleição direta da redemocratização. Teve caneladas, como em toda eleição, mas nada que se compare com a polarização de hoje.

É duvidoso que o establishment vá assistir passivamente à dispersão de forças entre seus cavalos, num páreo em que Lula mostra potencial de transferência de votos e Bolsonaro exibe resiliência. E é também improvável que os partidos de esquerda não enxerguem em algum momento a necessidade de aglutinar para, pelo menos, alcançar resultados razoáveis no Legislativo, mesmo em caso de uma derrota presidencial.

Se perder a Presidência e ficar muito fraca no Congresso, a esquerda provavelmente verá quatro anos de perdas e recuos, o que será agravado pelo visível declínio de sua capacidade de resistência nas ruas. E, se caminhar fragmentada até o fim, a direita bem poderá ser vitimada por uma convergência tática informal entre, de um lado, a mobilização eleitoral do lulismo e, de outro, a tendência ao não voto ou ao voto inútil que floresce nos ecossistemas da antipolítica.

Então, não estamos em 1989. Naquela eleição, perder fazia parte do jogo. Era aceitável. Agora não. Quem perder saberá que vai passar quatro anos numa intempérie brava, sujeito ao ímpeto liquidacionista do vencedor. É outro ambiente, o pacto democrático costurado pela convivência na Constituinte é história, além de um detalhe importante: aquela eleição foi solteira. Desta vez, errar na presidencial terá impacto negativo nos resultados para os outros cargos.

Em 1989, marcar posição para convergir apenas no segundo turno era uma opção de baixo risco. Um ano depois haveria eleições para governador, deputado, senador. Agora é tudo junto, num momento em que as diversas forças políticas estão numa guerra pela sobrevivência, permanentemente ameaçadas por ações policiais e processos judiciais. É outro mundo.

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Publicado originalmente no www.poder360.com.br

segunda-feira, 5 de fevereiro de 2018

A disputa entre o comunicador e o político para derrotar o lulismo. E a tensão dos liberais com as corporações

A maratona eleitoral entrou na fase de acotovelamentos à direita e à esquerda para ver quem ganha massa crítica e se desgarra do pelotão. Na esquerda, parece haver consenso de que o assim chamado lulismo sobreviverá e tem boa chance de pegar uma vaga no segundo turno. Precisará de competência para reagrupar seus votos, mas é viável.

Já na direita e em seu genérico, o centro, a coisa está algo mais nebulosa, desde que a ultraprovável ausência de Lula na urna deflagrou o “por que não eu?”. Meia dúzia de nomes disputam, e o único a se destacar por enquanto é Jair Bolsonaro. Os ditos especialistas dizem que ele tem teto e vai murchar. Mas convém esperar para ver, pois especialistas também erram.

Bolsonaro é uma pedra no caminho do centro. Até agora, os nomes preferidos, Geraldo Alckmin e Luciano Huck, comem a poeira do capitão. Para não falar em Michel Temer e Rodrigo Maia. Mas é pule de dez que um dito centrista será abençoado pelo establishment como a grande esperança de manter e aprofundar o programa econômico deste governo.

Quem será? Temer e Maia movimentam-se, mas o braço de ferro do momento é entre Alckmin e Huck. O governador de São Paulo está bem posicionado na máquina partidária, só que enfrenta a tentação tucana de recorrer à velha receita: surfar na indignação popular contra a corrupção para tentar “o diferente”. Se deu certo com Jânio e Collor, por que não agora?

Jânio e Collor “deram certo”? Sim. A política sempre comanda. Jânio cumpriu a missão de vencer a aliança PSD-PTB, o que a UDN jamais conseguira. E foi uma façanha histórica: a frente getulista nunca mais voltou ao poder pela urna. Já a vitória de Collor impediu a ascensão da dupla Lula-Brizola e atrasou por mais de uma década a chegada do PT ao Planalto.

Alckmin, Huck ou outro ungido receberiam um mandato para 1) promover a liquidação definitiva (até onde pode haver algo “definitivo” em política) do PT ou algum similar como alternativa de poder futuro e 2) completar as reformas liberais iniciadas por Temer. De preferência, de um jeito que tornasse quase impossível revertê-las num horizonte visível. O modelo chileno.

Quais são os obstáculos ao projeto, em ordem cronológica? O primeiro é ganhar a eleição com um programa liberal. Pode acontecer, mas seria mais fácil sem o impeachment. As urnas provavelmente se vingariam do governo Dilma e de seu alardeado estatismo. Agora vão julgar também a administração Temer, e os resultados deste breve ensaio de medidas pró-empresariais.

Vencida a barreira, a seguinte seria governar com o programa defendido na campanha. E aí os liberais precisariam enfrentar a resistência do Congresso e da burocracia estatal. Hoje em dia, o Judiciário tem bem mais musculatura do que qualquer outro ator para resistir à lipoaspiração do Estado. Ainda que aqui e ali apareçam movimentos para colocar limites a esse poder.

O dilema do centrismo: se um comunicador leve está mais aparelhado para navegar na eleição, a experiência de Temer prova que um político de couro grosso pode ser útil para sobreviver à guerra contra a burocracia megaempoderada. O ideal para a direita seria juntar as três coisas: liderança popular, liderança política e confiabilidade. Mas não está fácil de achar.

Não será uma escolha simples. Nada adianta ter o melhor nome para governar, e perder a eleição. E o eventual fiasco no governo de mais uma especulação com a novidade pela novidade avivaria fantasmas que se quer enterrar. Pois se há uma coisa absolutamente garantida quanto ao futuro é que ele sempre chega. Essa é outra regra que não admite exceção.

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As pesquisas eleitorais mostram uma divisão, grosso modo, meio a meio do eleitorado entre lulistas e antilulistas. Parece que será uma eleição novamente decidida no detalhe. E o que seria melhor para o lulismo? Lula solto podendo fazer campanha, ou preso e elevado à categoria de perseguido político pela narrativa de seus herdeiros?

Quem disser que tem certeza da resposta provavelmente está mentindo.