sexta-feira, 21 de agosto de 2020

E depois de dezembro?

Há uma explicação fácil para a resiliência de Jair Bolsonaro: ele estaria sobrevivendo às más notícias porque a boa vontade do povão vem sendo comprada por meio do auxílio emergencial. Diz o ditado que para toda questão complexa há sempre pelo menos uma explicação simples, e errada. Parece ser o caso aqui.

A aprovação a Bolsonaro é sim maior entre os beneficiários do auxílio, mas isso não explica por que o presidente resiste em torno de um terço de bom e ótimo e uns 40% de aprovação. Talvez seja mais útil inverter a pergunta: por que exatamente o eleitor de Bolsonaro deveria ter desistido dele após um ano e meio de governo?

Sim, porque a fatia dos que o consideram ótimo ou bom corresponde grosso modo ao eleitorado que votou no presidente no primeiro turno, e o percentual de “aprova” cobre o apoio no segundo turno. Houve alguma troca, de alguns "ricos" por pobres, de alguns mais escolarizados por outros menos, mas nenhum terremoto político-eleitoral.

Verdade que um pedaço se agastou na demissão de Sérgio Moro. Mas as pesquisas, todas elas, são cristalinas: o sofrimento político de Bolsonaro com a cisão morista não esvaziou a base social de apoio ao presidente da República. A principal dificuldade de um eventual candidato Moro não estaria no segundo turno, mas no primeiro.

O bolsonarismo é hoje um exército de ocupação desde o centro até os confins da direita. Mas ainda faltam dois anos e tanto para a eleição, e tem água para correr sob a ponte. O desafio mais imediato do governo é encontrar um jeito de pousar o avião do auxílio emergencial de um jeito suave. O contrário provavelmente terá, aí sim, efeito negativo, e não apenas no universo de quem hoje recebe o dinheiro.

A explicação simples, e errada, diz que o governo comprou a simpatia do eleitor por 600 reais ao mês. Talvez a explicação certa seja mais sofisticada. O auxílio ajudou a evitar um colapso econômico e social com repercussões muito além da população que recebe o benefício. Pois a economia continuou rodando e a recuperação parece mais rápida que o esperado.

O desafio do governo é ir retirando o auxílio sincronizadamente com a retomada da atividade e, principalmente, do emprego. Este, aliás, já vinha capengando mesmo antes da Covid-19. Como o governo vai fazer, só ele sabe, se é que sabe. Mas é uma operação estratégica, a não ser que o Planalto queira repetir as experiências de José Sarney e Fernando Henrique Cardoso.

Ambos surfaram em planos econômicos que melhoraram o poder aquisitivo da massa, e foram esticados para influir em eleições. Fizeram a colheita eleitoral, mas precisaram dar um choque de realidade na sequência. A popularidade deles foi ao buraco e só resistiram na cadeira por terem amplíssima base política e simpatia irrestrita no establishment. Coisas que Jair Bolsonaro não tem.

E talvez o mais importante: eram tempos em que ou não tinha internet (Sarney) ou ela era tão incipiente que nem fazia cosquinha nos políticos e nos governos (FHC). Definitivamente, não é o caso agora.

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Publicado originalmente na revista Veja 2.701, de 26 de agosto de 2020

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