sexta-feira, 15 de maio de 2020

A empatia ou a caneta?

Resiliência é a propriedade de um corpo voltar à forma original após submetido a uma deformação elástica. Jair Bolsonaro tem isso em bom grau. E se as últimas pesquisas mostram uma parte do "regular" migrando para "ruim/péssimo", o "ótimo/bom" resiste. E continua pelos 30% do total do eleitorado. Mais ou menos o que o presidente teve no primeiro turno em 2018.

Bolsonaro mostrou resiliência no segundo semestre do ano passado. Pouco a pouco seus índices voltaram ao "um terço, um terço, um terço", depois de o presidente sofrer um desgaste pontual por causa da repercussão dos incêndios na Amazônia. Mas o noticiário sobre o tema murchou e os desgarrados acabaram retornando. Como será agora?

Diferente de então, as crises sanitária e econômica do momento não levam jeito de querer murchar num prazo curto. Ou médio. O SARS-Cov-2 está aí para ficar, pelo menos até a vacina e/ou a maioria da população imunizar-se em reação ao vírus. Isto se acharem mesmo uma vacina e/ou o vírus provocar imunização duradoura. Ninguém tem ainda certeza de nada.

Na economia tampouco se vislumbra solução rápida. A volta a níveis próximos da pré-pandemia depende muito da retomada da confiança. Que será também função de como as autoridades lidam com a Covid-19. Se esta não dá sinais de um desfecho rápido, é ingenuidade imaginar empresas voltando a investir e o consumidor correndo para comprar só porque o governo mandou.

Então o país e o próprio governo precisam preparar-se para uma longa travessia. E se as autoridades não estão assim tão empenhadas em dar a real para o povão sobre o futuro, esmeram-se em táticas que tentam transferir a fatura aos adversários. Os governadores tentando colocar a conta das mortes em Bolsonaro e este jogando para eles a conta da depressão econômica.

Por enquanto a popularidade dos governadores está anabolizada e a do presidente sofre. Mas como vai ser quando a Covid-19 virar parte da paisagem e as preocupações com a economia ganharem o palco? Bolsonaro joga com o conceito imortalizado por Cláudio Coutinho, o de “ponto futuro”. Acredita que uma hora as pessoas vão lhe dar razão por não querer a paradeira.

As idas e vindas dos países na saída das quarentenas mostram o problema econômico com mais fôlego que o sanitário. Também porque o tal achatamento da curva de contágio protege o sistema hospitalar do colapso mas prolonga a paralisia econômica e portanto aumenta a destruição de forças produtivas. Um monte de gente vai ficar na chuva.

Quem a turma vai culpar? Dependerá da contabilidade de mortos, desempregados, falidos. De como estará o espírito de quem perdeu entes queridos, perdeu o emprego ou viu a construção empresarial de uma vida ir embora. E dependerá principalmente da percepção popular sobre quanto cada líder político se preocupou em oferecer alguma solução para as perdas.

Nessa corrida, Jair Bolsonaro está em desvantagem pela evidente falta de empatia. Mas tem a vantagem da caneta, de poder fazer dívida e distribuir benefícios com mais liberdade que os governadores.

O que vai prevalecer ao final?

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Publicado originalmente na revista Veja 2.687, de 20 de maio de 2020

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